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TJ recebe denúncia e cinco militares viram réus por “grampos”

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Midia News

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso recebeu a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE)  contra cinco militares acusados de operar um esquema de interceptação telefônica clandestina no Estado.

A decisão, unânime, foi tomada na noite desta quinta-feira (14) e seguiu o voto do relator do caso, desembargador Orlando Perri.

Com a determinação, passam a ser réus: o ex-comandante da Polícia Militar, coronel Zaqueu Barbosa; os coronéis Evandro Alexandre Lesco e Ronelson Barros, ex-chefe e ex-adjunto da Casa Militar, respectivamente; o coronel Januário Batista e o cabo Gerson Correa Junior.

De acordo com a denúncia do chefe do MPE, procurador Mauro Curvo, Zaqueu era o líder da organização criminosa e criou um Núcleo de Inteligência da Polícia Militar para operar as interceptações clandestinas por meio da barriga de aluguel.

Na organização, conforme o MPE, o coronel Evandro Lesco tinha a incumbência de garantir a estruturação do núcleo através do coronel Ronelson Barros.

Já os cabos Gerson Corrêa e Euclides Torezan tinham a missão de “garantir a elaboração de projeto que assegurasse a viabilidade técnica de funcionamento dos equipamentos que seriam empregados nas escutas ilegais”.

Apesar de o Núcleo de Inteligência ter sido criado com o alegado intuito de investigar policiais militares envolvidos na prática de crimes, o MPE afirmou que tal núcleo também foi usado para interferir na eleição majoritária.

Entre as personalidades grampeadas, conforme as investigações, estavam a deputada Janaina Riva (PMDB); o jornalista José Marcondes “Muvuca”, então candidato ao Governo; e o advogado José do Patrocínio, coordenador jurídico do à época candidato Lúdio Cabral (PT).

Também consta na denúncia do MPE que Zaqueu, Barros e Corrêa falsificaram documentos para obter autorização de quebras de sigilo telefônico pela Justiça.

No caso em questão, a inserção ilegal ocorreu em uma investigação que tramita na Comarca de Cáceres (225 km a Oeste de Cuiabá), envolvendo policiais que estariam colaborando com traficantes da região.

Segundo o chefe do Ministério Público Estadual (MPE), a fraude praticada por Zaque e Corrêa teria induzido o promotor e o juiz da região a erro, uma vez que acreditaram que números inseridos ilegalmente pertenciam aos alvos da investigação.

Mauro Curvo afirmou que os crimes, cometidos mais de sete vezes, foram provados por meio de relatórios técnicos e depoimentos colhidos na investigação.

O MPE afirmou que o Núcleo de Inteligência que operava as escutas ilegais foi criado pelo coronel Zaqueu Barbosa, em agosto de 2014, de forma ilegal, “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

De acordo com Curvo, da criação do núcleo até dezembro de 2015, Zaque, Ronelson e Corrêa se uniram para falsificar documentos, com o objetivo de conseguir fazer as escutas clandestinas, “atentando contra a Administração e o Serviço Militar”.

Além disso, Mauro Curvo explicou que o núcleo precisaria ter sua criação homologada por parecer da Diretoria da Agência Central de Inteligência (DACI), para que ficasse subordinado às companhias de Polícia Militar, o que não ocorreu.

 

Defesas alegam incompetência

Em suas sustentações, a defesa dos réus focou na alegação de que o Tribunal de Justiça não seria o órgão competente para analisar a denúncia, uma vez que o único investigado com prerrogativa de foro – o secretário Airton Siqueira Júnior – não foi denunciado na ação.

Outro argumento foi o de que o caso deveria ser remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que tal tribunal analisa a possível participação do governador Pedro Taques nos ilícitos.

"Quem decide a competência é a Corte de maior envergadura. Então como há sindicância no STJ apurando a participação de Taques, então os autos deveriam ser remetidos ao STJ para o STJ analisar a competência. Só fica com foro aquele que o ostenta", disse o advogado Francisco Monteiro, defensor do coronel Zaqueu.

De acordo com as defesas, o foro adequado para analisar os crimes dos militares é a Justiça Militar, onde se formaria um Conselho Militar para julgá-los.

O desembargador Orlando Perri: "Se o MPE viu crime no Januário, como não viu crime em relação a Siqueira?"

O mesmo entendimento foi compartilhado pelo MPE. Porém, o promotor Marcelo Ferra opinou que, caso o TJ não aceitasse declinar o caso à 1ª Instância, que a denúncia fosse aceita.

"Número estarrecedor"

O desembargador Orlando Perri, contudo, refutou as alegações. Antes de iniciar o voto, ele destacou ser "estarrecedor" o número de aparelhos telefônicos interceptados desde o começo do ano: cerca de 70 mil. Segundo ele, é provável que muitas "barrigas de aluguel" tenham ocorrido no meio de um número tão volumoso de escutas autorizadas.

"Os números são estarrecedores. Qualquer que seja o resultado do processo, as instituições terão que tomar providências quanto ao uso abusivo de interceptações. Desses números não sabemos quantas barrigas de aluguel ocorreram. Provável que tenhamos muitas. Feitas não apenas pela PM, como no caso de Cáceres, mas pela Polícia Civil e Ministério Público. Porque há investigação também nesse sentido, apesar dos esforços do Ministério Público em obstá-la", disse Perri, alfinetando o MPE.

Ao contrário do que apontaram as defesas e o MPE, Perri afirmou que o TJ-MT é o órgão competente para julgar o caso. Conforme o desembargador, apesar de não ter havido denúncia contra o secretário de Justiça e Direitos Humanos, coronel Airton Siqueira, o mesmo é investigado em três inquéritos suplementares relacionados aos mesmos fatos.

O magistrado ainda criticou o fato de o MPE não ter denunciado o secretário, uma vez que já haveria indícios contra Siqueira tão fortes quanto o de outros denunciados.

"Nós veremos mais à frente que existem sim elementos indiciários contra o referido coronel […] Por que o Januário foi denunciado e o Siqueira não, se o Siqueira também indicou a sargento Andrea para o Núcleo de Inteligência? Se o MPE viu crime no Januário, como não viu crime em relação a Siqueira?", questionou.

A competência do TJ para julgar o caso também foi reforçada no voto do desembargador Juvenal Pereira. Ele afirmou que, na hipótese do caso ser remetido à 1ª Instância, não haveria como a Justiça Militar analisar a situação.

"Se descesse, iria para o Conselho Militar. E no Conselho Militar tem que haver membros mais antigos e de posto superior ao acusado. E não tem isso em Mato Grosso, porque o Zaqueu é o mais antigo. Então existe uma impossibilidade da formação desse Conselho", ressaltou Juvenal.

Quanto aos fatos em si, Perri entendeu que a denúncia do MPE preenche os requisitos legais e, por isso, deve ser aceita para que se investigue se, de fato, os militares cometeram os crimes apurados.

"Preenchendo os pressupostos processuais exigidos e não sendo caso de rejeição e absolvição sumária, seu recebimento é medida de rigor. Recebo a denúncia", votou Perri, sendo acompanhado por todos os desembargadores. 

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