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Voto nulo nas eleições 2018: O que fazer quando não temos escolha?

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Nunca antes da história deste País tantas pessoas quiseram anular o voto. Basta ver os dados da Datafolha, divulgados nesta quarta-feira (31).

Sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na jogada – como ao que tudo indica vai acontecer -, o percentual dos que pensam em votar branco ou nulo, que já era expressivo, salta mais de dez pontos "e passa a ser a resposta da maior parte dos brasileiros — alcança 32% do total dos eleitores em cenário onde Jair Bolsonaro (PSC) lidera a corrida com 20%", como pontuam Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, e Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, em análise publicada pela Folha de S.Paulo.

O resultado da pesquisa reflete a crise que vive a democracia brasileira. Há diversos fatores para o voto nulo. Neste caso, o índice dobra, quando Lula está fora da disputa, entre os que têm renda de até dois salários mínimos e estudaram até o nível fundamental. E quase triplica entre os habitantes do Nordeste. O aumento da taxa entre as mulheres também é expressivo.

Ao meu ver, por trás disso, especialmente entre essa parcela da população, há um enorme grito de "não me representa". Muito válido, inclusive. O que o momento aponta e está escondido em outro índice do Datafolha é o aumento da tolerância ao autoritarismo.

Um levantamento da Latinobarómetro, publicado na terça-feira (30), mostra que, entre os latino americanos, o brasileiro é o menos satisfeito com a democracia. Só 13% se dizem "muito satisfeitos" e "satisfeitos" com ela. O que reflete os baixos índices de aprovação do governo atual, do presidente Michel Temer. A média da América Latina é de 30%.

É neste momento que o encanto pela democracia acaba e as pessoas se dizem "apolíticas", acreditam que "isso não importa", se sentem distantes do mundo político.

Nesta hora, é válido lembrar as palavras do João Ubaldo Ribeiro:

"Quando estamos pensando em cuidar de nossa vida apenas, sendo 'apolíticos', na verdade estamos somente com a vista curta ou então somos comodistas, não achando que as coisas estão tão ruins assim, para que procuremos fazer algo para mudá-las.

Quando alguém diz, como é frequente lermos em entrevistas aos jornais, que 'está em outra' e que 'não liga para a política', está, naturalmente, exercendo um direito que lhe é facultado pelo sistema político em que vive.

Ou seja, em última análise, está sendo um político conservador, não vê necessidade de mudanças. Então não é apolítico, palavra que indica 'ausência de Política'.

No máximo, falta-lhe a consciência de seu significado e papel político — significado e papel que todos têm —, uma coisa muito diferente. Pois o apolítico não existe, é somente uma maneira de falar, por assim dizer."

O trecho é do livro Política – Quem manda, por que mandacomo manda, uma obra que tem como um dos pilares mostrar que todos somos seres políticos. A política é um exercício diário; não é exercida só na hora do voto.

Mas o que fazer?

O que fazer se os que estão aí não representam? Seja um ator político. A política se desenvolve no dia a dia, na conscientização dos atos coletivos, de interesse público. Vou recorrer de novo ao Ubaldo Ribeiro. Ao dar um exemplo sobre um marido que sempre impõe sua vontade à mulher e a situação é reflexo da condição da mulher na coletividade, ele sugere:

"Se a mulher do exemplo dado, em vez de ameaçar pessoalmente o marido, decide reunir outras mulheres na mesma condição que ela para, juntas, utilizando meios de esclarecimento, persuasão e pressão — buscando a modificação do comportamento social, enfim —, tentarem reverter a situação, essa mulher estará exercendo uma atividade política.

Estará procurando encaminhar o processo decisório, em sua coletividade, no sentido de obter a consecução dos seus interesses (corporificados em objetivos), ou seja, o estabelecimento de um relacionamento igualitário ou equânime com o lado masculino da sociedade.

Com isso, essas mulheres poderão conseguir leis que as protejam (e a lei, desde o projeto à sanção, não passa do fruto de um processo decisório, de uma decisão, em última análise), poderão modificar a mentalidade das pessoas, poderão — para usarmos aquela palavrinha vaga mas útil — alterar a estrutura do poder em sua sociedade."

Quando a democracia está em risco, abandonar não resolve.

Este texto não é contra o voto nulo, mas o usa como gancho para refletir sobre o termo 'apolítico' e o distanciamento das pessoas em relação à política e à democracia.

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