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Há 30 anos como magistrada, desembargadora cuiabana acompanhou a mudança no cenário de violência na capital

A desembargadora cuiabana Nilza Maria Pôssas de Carvalho construiu sua história juntamente com a capital mato-grossense. De pai cuiabano e mãe mineira, a magistrada aqui cresceu, se formou, casou e começou sua carreira. Há 30 anos na magistratura, passou a maior parte deste tempo com foco na área criminal. Ela viu o cenário da violência na capital, e no Estado, mudar. Como operadora da justiça ela afirma que faz o seu papel, que é cumprir o que diz a lei, e para que haja alguma real mudança são as leis que devem ser alteradas.
 
Nilza Maria Pôssas de Carvalho atua há cinco anos como desembargadora no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ela passou pela antiga 4ª Câmara Cível de Direito Público e depois passou a integrar a 1ª Câmara de Direito Privado, onde está atualmente. Como juíza, no entanto, a maior parte de sua carreira foi na área criminal.

Enquanto por um lado a desembargadora viu o combate ao crime organizado ter um avanço, em decorrência das melhores tecnologias às quais a polícia tem acesso, ela diz que também sente a violência urbana aumentar.
 
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso completa em maio 145 anos. A desembargadora afirmou que durante este tempo o que mudou não foi o Tribunal, mas sim as leis. Ao Olhar Jurídico ela contou que quando começou na magistratura a Justiça era mais rigorosa justamente porque as leis eram mais rigorosas. Em entrevista ela contou um pouco de sua história e de como viu o cenário da criminalidade mudar.
 
Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Jurídico – A sua vida foi construída em Cuiabá não é desembargadora? Nasceu e cresceu aqui?
 
Desembargadora Nilza – Isso, eu sou Cuiabana. Meu pai era cuiabano, era pediatra, o doutor Leoni Paulo de Carvalho. Já minha mãe era mineira.

Olhar Jurídico – E os seus estudos? Foram todos por aqui?
 
Desembargadora Nilza – Foram sim. Estudei no Colégio Coração de Jesus e no Colégio São Gonçalo, bem tradicionais. Depois disso eu fui para a Universidade Federal de Mato Grosso, me formei em Direito lá.
 
Olhar Jurídico – E com começou a sua história na magistratura?
 
Desembargadora Nilza – Eu advoguei um pouco depois que formei e depois vim para o Tribunal como assessora. Aqui eu tenho bastante tempo, já uns 32 anos no Tribunal de Justiça, como magistrada vai fazer 30 anos em setembro. E quando eu entrei haviam pouquíssimas magistradas. Foi a turma depois da minha que aumentou.

Olhar Jurídico – Com relação a isso, qual é a principal diferença daquela época para hoje?
 
Desembargadora Nilza – Olha, a diferença que se tem é que com o passar dos anos a mulher vai pegar mais espaço, liberdade de pensamento, de agir. Ela está ganhando espaço em todas as áreas, não só no judiciário. Aqui foi aberto um amplo horizonte para as mulheres porque antes eram pouquíssimas. De 1990 para cá, aumentou-se muito o número de magistradas.
 
Olhar Jurídico – Imagino que a senhora seja uma das poucas desembargadoras cuiabanas, certo?

Desembargadora Nilza – Sim, somos poucas. Acredito que seja eu, a Maria Helena Bezerra e só. Juíza tem mais. Tem a doutora Flávia que também é de família cuiabana.
 
Olhar Jurídico – A senhora trabalhou muitos anos na área criminal correto? Houve algum caso de grande repercussão no qual atuou?
 
Desembargadora Nilza – Eu trabalhei 27 anos na Vara Criminal. Houveram grandes casos sim. Eu fiquei por quase cinco canos ali na região da fronteira com a Bolívia, onde há muito tráfico de entorpecentes, então naquela região haviam grandes casos.
 
Olhar Jurídico – Com relação à postura do TJ, como a senhora acha que mudou durante estes anos? Se é que mudou
 
Desembargadora Nilza – Eu acredito que seja a mesma coisa, o mesmo entendimento. São só as leis que vão ampliando e modificando, então a gente acompanha essa evolução da área jurídica, mas ela continua a mesma coisa. Eu não acredito que tenha tido essa mudança como falam. A gente vai evoluindo como vai evoluindo a legislação.
 
Olhar Jurídico – Uma das críticas mais comuns que vemos contra judiciário é sobre as solturas. É comum vermos pessoas serem presas em operações da polícia e logo serem soltas. Como a senhora vê esta situação?

Desembargadora Nilza – Na verdade, o judiciário não tem essa culpa. A culpa é da legislação que foi modificada ao passar dos anos. Antigamente o crime hediondo era tratado como muito maior rigor, os crimes de tráfico, estupro, etc. Com o passar do tempo foi havendo mais benefícios… Essa legislação foi se tornando mais branda. Inclusive, até para apreciação da prisão preventiva, da prisão temporária, hoje em dia tem que obedecer rigidamente os requisitos. Não é culpa do judiciário. É a própria legislação que foi abrandando com o passar dos anos. Então, a sociedade cobra falando “culpa da justiça” e não é bem assim. É a legislação que é mais branda.
 
Olhar Jurídico – Quando a senhora começou na magistratura então, a Justiça era mais “rigorosa”?
 
Desembargadora Nilza – Era mais rigorosa, sim. O regime era fechado desde o início com o crime hediondo, não tinha progressão de regime. Tinha que cumprir com a prisão mesmo. Era muito mais rigoroso quando eu entrei.
 
Olhar Jurídico – E como era o cenário criminal de Mato Grosso nessa época?

Desembargadora Nilza – No interior tinha muitos crimes bárbaros, que eram apresentados no Fórum. Eram quadrilhas atuando, era roubo de caminhão e carreta, tudo envolvendo tráfico para trocar por droga na Bolívia. Vimos muito isso. Hoje, eu acho que até o aparelhamento da polícia melhorou muito, com o passar do tempo. Tem mais condições de reprimir esse tipo de delito nas fronteiras. Tanto a Polícia Federal como a Civil e Militar, hoje nós temos um outro tipo de providências, que tem sido tomadas, como os famosos arrastões da polícia em fronteira. Isso vem prevenir e coibir esse tipo de criminalidade. Naquela época era muito mais difícil. O magistrado enfrentava muito mais o perigo, falta de segurança. Nós corríamos muito perigo no interior porque a polícia não estava tão aparelhada como hoje. Hoje temos uma polícia mais equipada e aparelhada para combater a criminalidade, que aumentou muito, principalmente aqui em Cuiabá e Várzea Grande. Vemos isso pela mídia.
 
Olhar Jurídico – A senhora falou da segurança na fronteira, acredita que ela está bem guardada hoje em dia?
 

Desembargadora Nilza – Olha, na minha época existiam 90 pistas clandestinas na região da fronteira com a Bolívia. É muito quilômetro ali pra haver uma fiscalização rigorosa. Não tem condições de ter um combate rigoroso. Não fazem ideia, mas a fronteira é muito grande. É enorme. É muita estrada clandestina criada, tem os traficantes que vão abrindo picadas na mata e vão abrindo estradas sem que a polícia tome conhecimento dessas estradas. Ali para haver um maior monitoramento teria que ser também aéreo. Não tem condições. Ninguém faz ideia da extensão da fronteira. Eu fiquei lá cinco anos e sei.
 
Olhar Jurídico – Tudo isso para o tráfico de drogas?

Desembargadora Nilza – Principalmente para o tráfico, mas também para roubo de veículos, golpe de seguro, esse inclusive tinha muito na minha época, quando eu atuei lá. A pessoa comprava o carro e esperava passar para a Bolívia para depois fazer o BO de roubo do carro, e isso era na verdade um golpe de seguro.
 
Olhar Jurídico – Como mulher, atuando na área criminal nessa época, a senhora encontrou alguma dificuldade?
 

Desembargadora Nilza – Não. Bom, a partir do momento em que eu resolvi ser uma magistrada, não podia existir no meu vocabulário o medo. Tem que enfrentar qualquer tipo de perigo, qualquer tipo de situação e ir em frente. Se você tiver medo, você não atua como deveria. Eu morei sete anos no interior. Morei sozinha enquanto os meus filhos estudavam na capital, e eu não tinha medo nenhum. Enfrentei todo tipo de perigo e de ameaça, porque a gente é ameaçada, só que a gente não divulgava. Era Deus do nosso lado. Nossa proteção era de Deus.
 
Olhar Jurídico – Algum chegou a ter alguma consequência mais séria?
 
Desembargadora Nilza – Nesse sentido de ameaça, soubemos levar a situação de forma que não teve consequência mais grave. Porque a gente vai lidando com esse tipo de pessoa e mostrando que não tem medo. É dessa forma que a gente deve atuar: demonstrando não ter medo.
 
Olhar Jurídico – O TJMT, pelo porte que tem, está muito bem avaliado. Qual a expectativa da senhora, que conhece muito bem o TJ, para o futuro?
 
Desembargadora Nilza – Cada vez melhor, porque nós estamos empenhados em alcançar esse objetivo de maior produtividade, baixar congestionamento, não só do segundo grau, como do primeiro também. Nós temos tido presidentes que têm empenhado nesse sentido de melhorar cada vez mais, buscar projetos modernos, como no setor da informática, acelerando o andamento dos processos.
 
Olhar Jurídico – De quando a senhora entrou, para hoje, existem muito mais magistradas, como a senhora mesmo disse. A tendência é essa então?
 
Desembargadora Nilza – Com o passar dos anos tem que aumentar. O volume de processo todo dia tem chegado cada vez mais, aumentando mais. O PJe todo dia é aquela montanha de processos chegando, porque via PJe é maior a facilidade para advogar, interpor um recurso. É muito mais rápido, então demanda mais trabalho

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