Fonte: Msn
Cobrados pela fragmentação nas eleições de 2018 e pela atuação nos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, os partidos de oposição têm fortalecido a atividade conjunta dentro e fora do Congresso. A queda na popularidade do presidente e uma mudança na forma de encarar a bandeira da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são motivos apontados por lideranças partidárias para o fortalecimento do campo.
Passados oito meses do novo governo, o temor de que uma divisão da esquerda paralisasse sua atuação está superado, na opinião do presidente do PSol, Juliano Medeiros. “A gente conseguiu superar uma situação de certa fragmentação do processo eleitoral, em que a esquerda estava dividida em várias candidaturas e havia um temor de que ela fosse incapaz de promover um processo de unidade política para enfrentar os ataques do Bolsonaro aos direitos do povo brasileiro. Está mais do que superado esse medo. A oposição está unificada e tem atuado de forma conjunta”, afirmou ao HuffPost.
Uma dessas frentes é na Câmara dos Deputados. Após um trabalho coordenado na reforma da Previdência, as bancadas do PT, PCdoB, PDT, PSB, Psol e Rede vão apresentar um texto alternativo à reforma tributária. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) está na fase de coleta de assinaturas e deve ser formalizada após o feriado do 7 de setembro.
O objetivo do texto é ampliar a discussão sobre tributos para reduzir a desigualdade. ”É um substitutivo geral da proposta mais focado em diminuir regressividade. Focar tributos de renda e de patrimônio e também no sentido de preservar a autonomia dos entes federados”, afirmou ao HuffPost a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR).
O conteúdo da proposta alternativa também será apresentado pelas siglas por meio de emendas ao texto em discussão, de autoria do economista Bernardo Appy e apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Também na pauta econômica, integrantes da oposição apontam as mudanças na reforma da Previdência como uma vitória. Foi retirada a criação de um sistema de capitalização, e o impacto das mudanças na aposentadoria foi suavizado para categorias como professores, trabalhadores rurais e beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Além disso, o Senado discute regras mais brandas no caso de pensão por morte.
Na avaliação de Hoffmann, a queda da popularidade de Bolsonaro contribuiu para ajudar nessa atuação conjunta. “Com a situação do governo, o descrédito popular, as medidas na questão ambiental, dos direitos humanos, contra educação e saúde. Isso também faz que o governo tenha resistência na sociedade brasileira. Então as pessoas começam a se abrir mais para o que a oposição estava falando. Isso nos dá mais condições de atuar”, analisou.
Ainda que a união não seja completa entre os principais nomes da esquerda, fora do Congresso, estão em curso outras iniciativas para promover o diálogo. Os presidentes do PT, PSol, PCdoB, PDT e PSB se reúnem quinzenalmente.
Desde março, há também um grupo formado pelos ex-candidatos à Presidência da República Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSol), além da vice na disputa, Sonia Guajajajra (PSol), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) e o ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB).
Vitórias da oposição
Entre as vitórias da oposição no Congresso está a derrubada de um dos decretos presidenciais assinados em maio que ampliava a posse e o porte de armas de fogo no Brasil. Em junho, o Senado aprovou o projeto de decreto legislativo (PDL) de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que derrubou a decisão de Bolsonaro. Apesar de o PDL não ter sido votado na Câmara, o episódio foi visto como uma derrota política para o governo.
A apresentação de pedidos para derrubar atos do Executivo também tem sido adotada pelo PSol. Só na última semana, a bancada da Câmara apresentou ao menos 3 PDLs.
Um deles reverte a exoneração da coordenadora-geral do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Caroline Dias dos Reis. Outro é contra o fim dos colegiados que visam ao controle social das relações de trabalho. Um terceiro derruba a suspensão de verbas a filmes de temática LGBTI. A votação das medidas no plenário da Casa depende de acordo com líderes e Rodrigo Maia.
Fora do Congresso, um destaque foi a manutenção da demarcação de terras indígenas como atribuição da Funai em vez de transferir para o Ministério da Agricultura, como queria Bolsonaro.
Em 1º de agosto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso em três ações, propostas pelo PT, PDT e Rede, para suspender a validade de uma medida provisória (MP) com esse objetivo. O Congresso já havia rejeitado a mudança em maio, mas Bolsonaro editou uma nova MP sobre o tema em junho. A Constituição, contudo, impede que uma MP rejeitada seja reeditada no mesmo ano.
Nas batalhas judiciais, a Rede tem sido uma das siglas mais atuantes. Em 22 de agosto, os senadores Randolfe e Fabiano Contarato (Rede-ES), junto com a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), protocolaram um pedido de impeachment do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no STF.
De acordo com a ex-candidata ao Palácio do Planalto, Marina Silva, que lidera a legenda, essa é uma estratégia conjunta. ”É uma discussão dentro do partido. Algumas iniciativas são de pessoas da própria Rede ou de especialistas. O que nós queremos é que a Justiça ajude que se respeitem as leis e a Constituição”, afirmou ao HuffPost.
Questionada se essa era uma maneira de a Rede ganhar projeção política após reduzir sua bancada na Câmara nas últimas eleições, a ex-senadora disse que “não era uma ação deliberada”. “Nós somos um partido que tem objetivo de inovar. Não usamos as pautas e bandeiras como instrumentalização política. Fazemos isso porque temos um compromisso ético com a causa de combate à corrupção, sustentabilidade. Fazemos isso pelo imperativo ético.”
A ex-ministra do Meio Ambiente também esteve à frente de uma mobilização junto com outros ex-titulares da pasta para enfrentar a crise ambiental. Na semana passada, o grupo entregou uma carta ao presidente da Câmara em que pede a suspensão imediata da tramitação de matérias legislativas que possam agravar a situação ambiental em meio à escalada de queimadas na Amazônia.
Lula livre e o futuro da oposição
Estabelecer um diálogo com atores envolvidos em atos contrários ao governo é o principal desafio da oposição no momento, na avaliação do presidente do PSol.
“Começam a haver processos de resistência que não passam pela oposição partidária. Foi o que vimos agora com o tema da Amazônia. Artistas, intelectuais, movimentos sociais. O grande desafio da oposição agora é se conectar com esses processos de resistência. Não tentar necessariamente liderá-los ou dirigi-los, mas se vincular para fortalecer nosso repertório de estratégias em defesa da democracia”, afirmou Juliano Medeiros.
Na avaliação do socialista, está em curso um processo de reorganização de forças sociais e políticas de enfrentamento a Bolsonaro de forma mais sólida. Ele aponta que até o momento houve dois atos maiores isolados: as manifestações em favor do meio ambiente em agosto e pela defesa da educação em maio.
Por outro lado, a superação do embate sobre a defesa de Lula é vista por Medeiros como um ponto de avanço do campo progressista. “Me parece que a oposição teve maturidade para não ficar empacada nessa divergência. Há partidos de oposição que não estão na campanha do Lula livre”, afirmou.
Diferentemente de PDT e Rede, o PSol compartilha da visão do PT de que as contestações ao julgamento do ex-presidente são parte de uma agenda maior de defesa da democracia, envolvendo a luta contra abusos do Judiciário. Além disso, a provável continuidade de Gleisi Hoffmann na presidência do partido é vista como um indicativo de que essa bandeira continuará na pauta.
Apoiada por Lula, a deputada entende que o discurso do “Lula livre” não atrapalha a mobilização da esquerda. Mesmo preso, o ex-presidente continua a participar do cenário político. “O presidente acompanha a situação da bancada, a situação política do País e tem se posicionado, acompanha seus processos, tem dito que temos de unir forças para defender o Brasil e os direitos da população”, afirmou.
Com permissões judiciais, Lula também tem concedido entrevistas a jornalistas. “O presidente Lula é a maior liderança política popular que temos no Brasil. Ele poder se pronunciar, fazer críticas e propostas é muito importante… As pessoas querem ouvi-lo falar. Para a oposição é importante ter a fala pública do presidente Lula”, completou Gleisi.