“Ela está no céu, que é o lugar que ela merece”, disse o avô da menina, ao lado de outros parentes, todos inconsoláveis. O cortejo até o cemitério reuniu uma pequena multidão. “A polícia matou um inocente. Não teve tiroteio nenhum. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!”, gritava, muito abalado, um homem que seria o motorista da Kombi (que ajudou a socorrer a menina) e que teria visto um policial atirando.
No velório, outras pessoas contestaram a versão oficial da Polícia Militar, de que Ágatha teria sido ferida num confronto entre policiais e criminosos. “Quem matou foi o Estado”, dirigiu-se um homem a jornalistas, sem se identificar. “Não houve confronto”, completou outro.
Moradores e ativistas convocaram nova manifestação neste domingo, pedindo o fim da violência policial no conjunto de favelas em que a menina foi atingida. A concentração de manifestantes foi marcada para 13h, em frente à Unidade de Pronto Atendimento de Itararé. Depois, os participantes seguiram juntos para o velório da menina.
“Eu tenho uma filha de oito anos, ela fica desesperada quando tem operação na comunidade. É muito tiro, parece que o tiro é dentro de casa”, disse Marcos Henrique Nascimento Lopes, de 39 anos, líder de um grupo de mototaxistas que participaram do protesto. “Somos moradores, não temos culpa dessa política de segurança pública que não funciona na comunidade. Reconhecer o erro não é vergonha, vergonha é insistir no erro”, completou.
Também pai de uma menina de oito anos de idade, o ator Fábio Assunção participou da manifestação. “Vim prestar minha solidariedade, o luto, não dá pra ir mais pra baixo do que isso”, disse o ator. “Não é só o caso da Ágatha, diariamente a gente está vendo coisas que são impensáveis. A sociedade tem que se pronunciar, se colocar”, acrescentou.
A Polícia Civil informou que enviará para perícia as armas dos policiais militares que estavam em patrulhamento na noite de sexta-feira no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, no momento em que Ágatha foi atingida.
“A gente vai acompanhar o inquérito. Já acompanhamos a primeira testemunha ontem do caso, que é o motorista da Kombi que viu que foram os policiais que atiraram em direção à Kombi, que vitimou a Ágatha. E vamos procurar, essa semana vamos na localidade procurar testemunhas, conversar com as testemunhas. Quando o autor do fato é um agente de estado as pessoas têm medo. Então a gente vai conversar com eles, tentar convencer, apresentar os programas de testemunhas que existem, pra poder garantir que essas testemunhas falem”, contou o advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), que está acompanhando o caso.
Após ser alvejada, Ágatha foi levada para o hospital, mas não resistiu ao ferimento e morreu na madrugada deste sábado. A Polícia Militar alega que os agentes que atuavam no local tinham sido alvo de criminosos, mas parentes da menina e testemunhas relataram que não houve confronto e que os policiais teriam atirado contra uma motocicleta que passava na hora, com dois homens a bordo.
As armas dos policiais militares passarão por confronto balístico com o projétil retirado do corpo da vítima no Instituto Médico Legal. De acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), familiares de Ágatha Félix já prestaram depoimento neste sábado, e novas testemunhas serão ouvidas a partir desta segunda-feira. No decorrer dessa semana, a polícia determinará a data para a reconstituição do disparo que vitimou Ágatha.
A morte de Ágatha causou comoção e motivou críticas de entidades à política de segurança pública do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). A Defensoria Pública do Estado condenou a “opção pelo confronto”, enquanto a seção Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) destacou o “recorde macabro” de 1249 pessoas mortas pela polícia no estado de janeiro a agosto.
O assunto também mobilizou a internet. A hashtag a “A culpa é do Witzel” figurou entre as mais citadas no ranking do Twitter Brasil ao longo do dia de sábado. Moradores, parentes e amigos da família de Ágatha participaram ontem de um protesto contra a violência policial nas comunidades que formam o Complexo do Alemão.
Em vídeos postados nas redes sociais pelo jornal comunitário Voz das Comunidades, era possível ver os manifestantes carregando faixas com nomes de algumas das vítimas de confrontos e mensagens como “Parem de nos matar”, “Chega de morte” e “Não quero enterrar meu filho”. Os líderes do protesto pediam um basta à violência e ao uso de helicópteros da polícia que têm sobrevoado as comunidades fazendo disparos contra a favela.
Em nota, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro informou que lamentava “profundamente a morte da pequena Ágatha no Complexo do Alemão” e manteve a versão de que os agentes apenas revidaram a uma agressão de criminosos “quando foram atacados de várias localidades da comunidade de forma simultânea”. No entanto, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) comunicou que abrirá “um procedimento apuratório para verificar todas as circunstâncias da ação”.