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Período proibitivo em MT concentrou oito em cada 10 focos de calor em 2020

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Fonte: Olhar Direto

O período de proibição das queimadas foi adiantado e estendido neste ano em Mato Grosso, mas a medida mostrou-se insuficiente para conter o avanço do fogo no estado, um dos que mais sofreu com os incêndios em todo o território brasileiro. Seus três biomas – Amazônia, Cerrado e Pantanal –  registraram em conjunto um aumento de 45% em número de focos de calor de janeiro a setembro, em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 39,9 mil focos de calor, enquanto 2019 contabilizou 27,5 mil pontos.

Do total de focos neste ano, 83% (33,1 mil focos) ocorreu no período proibitivo – de julho a setembro, época da seca quando os riscos de incêndios florestais são acentuados pela vulnerabilidade da vegetação.

No Pantanal, bioma proporcionalmente mais afetado, 95% dos focos de calor ocorreram no período de proibição. Dos 11,2 mil pontos de calor nos sete meses, 10,7 mil aconteceram entre julho e setembro.

Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foram compilados pelo Monitor de Queimadas do Instituto Centro de Vida (ICV), ferramenta interativa que realizou monitoramento e caracterização dos registros de queimadas no estado no período de proibição.

Os mais de 11 mil focos de calor no bioma em Mato Grosso representam 62% de todo o contabilizado no Pantanal brasileiro, que no período de sete meses registrou 18,2 mil pontos, o maior número da série histórica de dados do Inpe desde 1998.

Também simbolizaram um aumento de 905% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a porção mato-grossense do bioma contabilizou 1,1 mil focos. Uma das causas foi a seca severa sofrida pela região.

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostram que registros de chuva no bioma tiveram uma redução de 50% em relação à média histórica. Um dos principais indicadores da forte estiagem é o rio Paraguai, que atingiu o nível mais baixo desde os anos 1960.

“A situação tem relação direta com o desmatamento na Amazônia. O corte ilegal da vegetação afeta o fenômeno conhecido como ‘rios voadores’, quando a umidade da floresta amazônica dá origem a uma coluna de água transportada para regiões que incluem o sudeste e centro-oeste do país”, afirma o coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV, Vinícius Silgueiro.

Não obstante também os aumentos nos índices de queimadas na Amazônia, os últimos dados oficiais de desmatamento apontam Mato Grosso como o segundo estado que mais desmata a floresta amazônica no Brasil e que, entre 2019 e 2020, registrou alta consecutiva nos índices de corte raso da floresta.

O alastramento dos incêndios pode ter origem no uso do fogo para fins agropecuários, quando é utilizado para limpeza ou renovação da pastagem do gado.

O uso do fogo na área rural é permitido de forma controlada e com autorização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT), mas completamente proibido na época da estiagem. Em 2020, o período proibitivo começou no dia 1º de julho e seguiu até o dia 30 de setembro.

O engenheiro florestal afirma que o descontrole do fogo no bioma também é reflexo da falta de articulação em nível federal e estadual. “As áreas são muito extensas, o acesso na maioria das vezes é bem limitado, o vento é muito forte e esse ano já se tinham previsões consistentes de que a seca seria mais intensa. Justamente por isso era possível ter um melhor planejamento e direcionamento de recursos para que a situação não chegasse a esse ponto”, diz.

ÁREAS PROTEGIDAS SOB RISCO

Com o fogo, as áreas protegidas em Mato Grosso se encontram em situação de grande vulnerabilidade. Uma análise do ICV com base em dados do Inpe e da Global Fire Emissions Database (GFED) da NASA apontou que, até o dia 17 de setembro, o fogo havia atingido 1 milhão de hectares de terras indígenas (TIs) no estado.

Para o bioma Pantanal, o impacto foi sem precedentes. De janeiro a setembro, foram 696 focos de calor em unidades de conservação (UCs) na área mato-grossense, enquanto 2019 somou 19 no período. Destas, 578 ocorreram no período proibitivo.

As terras indígenas (TIs) somaram 299 pontos, enquanto ano passado registrou nove. Apenas um dos focos de calor ocorreu antes do período proibitivo.

Análises do ICV com base em dados da GFED/NASA mostraram que até o dia 17 de setembro a TI Baía dos Guatós, última homologada no país e habitada pela etnia guató, teve 87% de seu território atingido pelos incêndios. Da etnia bororo, a TI Perigara teve 80% da sua área atingida até a mesma data. O fogo chegou a causar a retirada temporária dos indígenas da TI Tereza Cristina.

A situação também é crítica nas unidades de conservação. Mesmo após as primeiras chuvas em setembro, o fogo segue avançando sobre o Parque Estadual Encontro das Águas, que já teve atingidos 93% de sua área total.

Nos últimos dias, os incêndios atingiram a Estação Ecológica Taiamã, com 27% de sua área impactada até o dia 28 de setembro, de acordo com análise das imagens realizada pelo Instituto Centro de Vida (ICV).

Ilha localizada em área de encontros de águas no rio Paraguai, a área da estação ecológica teve atingidos 3,1 mil hectares do total de 11,6 mil hectares da unidade. O local abriga uma base de pesquisas da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), que se encontra atualmente sob risco.

PERÍODO PROIBITIVO EM MT

O número de focos de calor no período proibitivo, além de representar 83% do total do ano, também significa um aumento de 57% de registros em relação ao mesmo período de 2019, que teve 21,1 mil focos de calor.

A maior parte dos focos ocorreram no bioma Amazônia, com 12,7 mil focos (38% do total), seguido do Pantanal com 10,7 mil (32%) e Cerrado com 9,6 mil (29%).

Entre as categorias fundiárias, maior parte segue ocorrendo em imóveis já registrados no CAR, com 51% do total de focos de calor (16,7 mil), seguido das áreas não cadastradas com 26% (8,7 mil), terras indígenas com 16% (5,2 mil), assentamentos com 5% (1,6 mil), unidades de conservação de proteção integral e domínio público com 2% (699) e áreas urbanas (33 focos).

Para Vinícius, a prevenção para que a situação não se repita nos próximos anos deve depender de três frentes de ações. “Práticas de uso do solo, sensibilização e campanhas educativas e, principalmente, fiscalização e responsabilização pelos incêndios detectados nos anos anteriores, que é fundamental para aumentar a sensação de punição por esse tipo de crime ambiental”, afirma.

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