Qual o limite entre liberdade de expressão e a manifestação política ostensiva? A decisão do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Raul Araújo, no último sábado (26), expôs, definitivamente, as vísceras da Corte Eleitoral.
A decisão de impor censura prévia aos artistas que se apresentavam no festival LollaPalooza, em São Paulo, remonta os tempos da ditadura militar no Brasil, nos idos de 1968, quando o AI-5 estabeleceu a censura prévia.
Vamos aos esclarecimentos; especialmente aos que insistem na tese de que não houve ditadura no Brasil.
A delimitação da expressão é ditatorial. Ditar aquilo que se deseja que outros digam é um instrumento caudilhista. Impor, mais ainda. Afinal, punir quem pensa o contrário com anuência do Estado, é valer-se da lei e do aparato republicano para definir limites sobre o pensamento ou, pelo menos, da livre manifestação.
Quem nega ter havido uma ditadura no Brasil, além de desconhecer a própria história, ignora a etimologia da palavra ditadura, que vem do latim ‘dicere’ – dizer, falar, contar.
O ditador, portanto, é aquele que pronuncia em voz alta, para impor suas ideias. Refugiado na liberdade democrática, minha e sua, não quero aqui ditar o pensamento, mas tão somente expressar abertamente minha opinião, que está assegurada pela Constituição Federal de 1989.
Se discordar dos meus argumentos, sinta-se à vontade para se manifestar.
Então vamos começar analisando o primeiro ponto da decisão do ministro, que disse que a artista Pabllo Vitar foi longe demais quando, durante sua apresentação no festival, desfilou com uma bandeira que estampava o rosto do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Raul Araújo atendeu, parcialmente, o pedido feito pelo partido do atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, optando por não punir manifestações anteriores, mas as futuras durante o LollaPalooza. O que caracteriza censura prévia.
A decisão afronta claramente a Carta Magna, que assegura a todo cidadão o livre direito de manifestação do pensamento, seja ele político ou não. Em nenhum momento a artista pediu votos para Lula.
Apenas manifestou sua simpatia pelo pretenso candidato à presidência. A empresa que promove o festival recorreu da decisão, alegando não ter controle sobre o que os artistas falam e que a determinação impunha censura prévia.
A decisão, claro, foi recebida com protestos, especialmente no meio artístico. A cantora Anitta, que já havia se apresentado no festival, se manifestou contra a determinação, inclusive afirmando que, se fosse o caso, pagaria a multa de R$ 50 mil estabelecida pelo ministro a cada nova infração, em nome da liberdade de expressão.
Ao contrário da cantora britânica Marina, que xingou o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente Jair Bolsonaro, merecendo sanções da Justiça por proferir ofensas aos dois líderes, os demais artistas expressaram “Fora Bolsonaro” abertamente depois da decisão, ampliando a tensão com a Justiça Eleitoral.
O artista Marcelo D2 valeu-se da metáfora, recurso linguístico bastante utilizado nos tempos da ditadura, para mandar o seu “olê, olê, olê, olá, Lolla, Lolla”.
Para o ministro, os manifestantes estavam promovendo campanha antecipada. Contudo, existem critérios para definir o que é uma manifestação licita de uma antecipação do pleito. O primeiro deles é o pedido explicito do voto, que não houve.
E o segundo é do envolvimento direto de candidatos ou de partidos na realização do evento. Nenhuma dessas situações estão no contexto do evento.
Desde 2006 que os showmícios foram vedados pela legislação eleitoral. Os legisladores, acertadamente, entenderam que a contratação de artistas por candidatos e partidos políticos para realização de apresentações durante as campanhas eleitorais conferia desequilíbrio ao processo, favorecendo os candidatos mais ricos, que podiam contratar os melhores shows e, por sua vez, atrair o maior número de eleitores.
Vale lembrar que LollaPalozza é um evento tradicional, que acontece o final da década de 1990, vezes em ano eleitoral, vezes em ano não eleitoral. E que, tradicionalmente, manifestações como da Pabllo Vitar costumam ser aceitas como legitimas.
Assim como já fizeram, em diversos momentos, inúmeros artistas da música sertaneja, ao declararem apoio a Jair Bolsonaro durante suas apresentações.
Mas o que mais chama a atenção é o fato de que, entre fevereiro e março deste ano, o ministro Raul Araújo negou a retirada de outdoors pagos por associações de produtores rurais a favor da candidatura de Jair Bolsonaro. Ele negou que essa mídia se caracteriza como campanha eleitoral extemporânea, afirmando que o candidato não teria conhecimento das placas e que, por isso, não poderia ser punido.
A decisão revela a faceta dúbia do ministro, expondo todo o Tribunal. Isso é o que de pior poderia advir, favorecendo o próprio presidente Jair Bolsonaro, no sentido de desvalidar a ação da Justiça Eleitoral, revelando a falta de parcialidade de alguns de seus membros. Isto sem falar na suposta fraude das urnas eletrônicas, que nunca ficou comprovada.
Ao cabo, o próprio PL decidiu retirar a ação, após perceber o erro que cometera. Para o bem da democracia, liberdade de expressão. Este é o melhor remédio.
Luiz Queiroz é jornalista, especialista em assessoria de imprensa.
Fonte: Midia News