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Ibama anula multa de R$ 332 mi da Amaggi

Reprodução

O Ibama anulou R$ 332 milhões em multas que foram aplicadas no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro à empresa do agronegócio Amaggi Exportação e Importação. A decisão foi tomada diante de um “vício insanável” identificado pela Instituição.

A informação foi publicada neste domingo (10) na coluna do jornalista Rubens Valente, do Portal UOL.

Segundo ele, ao todo, 9 multas foram aplicadas devido à compra de soja de uma fazenda embargada. O nome da empresa que vendeu a soja em outubro de 2019, no entanto, não constava na lista pública do órgão como alvo de embargo no ato da comercialização dos produtos.

O valor em multas anuladas pode chegar a R$ 640 milhões com o cancelamento de outras cinco autuações. Isso porque outra empresa do agronegócio, a Bunge, e um produtor rural de Rondônia também foram multados no mesmo local e data.

 

Confira abaixo a matéria na íntegra:

O Ibama decidiu anular R$ 332 milhões relativos a nove multas aplicadas no primeiro ano do governo de  Jair Bolsonaro contra a grande empresa do agronegócio Amaggi Exportação e Importação por comprar soja de uma fazenda embargada. O Ibama reconheceu um “vício insanável” na aplicação das multas porque verificou que a propriedade rural que vendeu a soja à empresa em outubro de 2019 não aparecia na lista pública do órgão como alvo de embargo no ato da comercialização dos produtos.

A anulação total das multas pode chegar a R$ 640 milhões com o cancelamento de outras cinco autuações, pois outra empresa do agronegócio, a Bunge, e um produtor rural de Rondônia foram multados no mesmo local e na mesma data com base nas mesmas conclusões da fiscalização agora consideradas “viciadas” pelo Ibama. O órgão reconheceu o cancelamento de R$ 332 milhões, mas não se manifestou quando indagado pela coluna sobre os outros R$ 308 milhões.

Caso a fazenda constasse no sistema do Ibama como embargada no momento da compra da soja, os compradores poderiam ser multados. O Ibama, contudo, não explicou à coluna a origem do problema que levou à ausência da propriedade na lista do Ibama. No ato das multas, os fiscais citaram três termos de embargo anteriores sobre a propriedade. Sistema diz indevidamente que multas foram “quitadas”.

Além de colocar em dúvida os critérios usados pelos fiscais na hora de emitir as multas, o episódio também põe em xeque a veracidade das informações disponibilizadas ao público pelo Ibama. No sistema aberto na internet, as multas contra a Amaggi, a Bunge e o produtor rural aparecem com o seguinte “Status [do] débito”: “Quitado. Baixa manual feita pela CGARR [setor técnico do Ibama]”. Depois de indagado pela coluna se a Amaggi havia de fato quitado esses autos de infração, o Ibama esclareceu que na verdade eles haviam sido anulados.

O órgão afirmou, em nota, que “os autos foram anulados e o termo utilizado no sistema refere-se à baixa por vício insanável”. De acordo com o Ibama, as anulações ocorreram “em razão de os dados do imóvel rural não constarem da lista pública de embargos, conforme art. 54 do Decreto 6.514/2008”.

O artigo prevê uma multa de R$ 500 por quilograma ou unidade no caso de o infrator “adquirir, intermediar, transportar ou comercializar produto ou subproduto de origem animal ou vegetal produzido sobre área objeto de embargo”.


Lista de embargo deveria agora ser reestruturada, diz especialista

As multas agora anuladas se referem a uma mesma operação do Ibama desencadeada na zona rural de Vista Alegre do Abunã, em Rondônia, em 7 de outubro de 2019. Os fiscais concluíram que uma fazenda de 2,6 mil hectares estava sob embargo relativo a três processos: dois abertos em 2008 e um aberto em 2018.

Os fiscais concluíram que “a propriedade vinha sendo utilizada há anos para o cultivo de soja e criação de gado, descumprindo os referidos embargos”. O Ibama deu início a um processo de “conciliação”, um sistema criado pelo governo Bolsonaro.

Após analisar a documentação, a Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais concluiu, em nota técnica, que “não foram encontrados documentos comprobatórios que acusem que as áreas correspondentes” a dois termos de embargo “constavam embargadas no lapso temporal de outubro de 2016 a outubro de 2019 para justificar a materialidade dos autos de infração lavrados em decorrência do seu descumprimento, o que torna necessária a acusação desses elementos comprobatórios”.

Em dezembro de 2021, a Divisão de Conciliação Ambiental da Superintendência anulou o primeiro dos autos de infração relativos à operação em Abunã. Além dos R$ 332 milhões relativos à Amaggi, poderão ser anulados R$ 64 milhões de multas à Bunge Alimentos e R$ 244 milhões a Guilherme Galvane Batista.

A especialista sênior em políticas públicas do OC (Observatório do Clima), uma coalizão de organizações não governamentais, e ex-presidente do Ibama Suely Araújo disse que não conhece caso semelhante no órgão —anulação de uma multa por desatualização da lista de propriedades embargadas.

“É fundamental que os dados do embargo sejam disponibilizados o mais rápido possível no sistema. É preciso reestruturar o sistema da forma mais completa possível porque o embargo é informação fundamental. O embargo hoje inviabiliza um crédito bancário, por exemplo. O embargo hoje é mais efetivo do que a própria multa. O embargo traz muita efetividade porque os bancos usam as listas para análise do crédito rural, hoje é a sanção mais eficaz no meu entendimento. E garante que a fiscalização ambiental tenha a força e o poder de dissuasão necessária”, disse Araújo.

 

Total de multas sob risco de anulação pode passar de R$ 1,2 bilhão

O valor total das multas anuladas pode ser ainda maior, chegando a R$ 1,2 bilhão, já que esse foi o valor total da autuação contra três supostos infratores na mesma operação desencadeada pelo Ibama em outubro de 2019 na região de Vista Alegre do Abunã, segundo dados oficiais obtidos pela coluna na época por meio de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação.

Em março de 2021, a coluna já havia apontado várias dúvidas sobre o cálculo utilizado para essas multas, que inflaram um balanço encaminhado pelo governo Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal).

O governo é alvo de questionamentos no STF por meio de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de número 760, ajuizada pelo OC (Observatório do Clima), outras organizações não governamentais e partidos de oposição. A ação, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, cobra a retomada de um Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. Essa ADPF começou a ser julgada nesta semana no plenário do STF.

Para se defender das críticas, o governo encaminhou ao tribunal, em dezembro de 2020, um relatório de 51 páginas no qual diz que a fiscalização ambiental não parou no país. Segundo o governo, ocorreu o contrário, houve um crescimento no valor das multas ambientais. Ele citou um total de R$ 3,4 bilhões em 2019. No entanto, o valor das multas em 2018 foi de R$ 4,4 bilhões. Com a exclusão de, ao menos, R$ 640 milhões das multas em 2019, o valor total naquele ano deverá cair para R$ 2,8 bilhões, bem abaixo dos R$ 4,4 bilhões do ano anterior.

Procurada diversas vezes pela coluna desde 1º de abril, a Amaggi disse que só poderia se manifestar a partir de segunda-feira (11). A reportagem será atualizada assim que houver um posicionamento. No ano passado, quando indagada sobre os mesmos autos de infração, a Amaggi já havia afirmado que iria levantar a existência de “vícios insanáveis” na aplicação das multas:

“Os autos de infração surpreenderam a companhia – não somente pelo fato de a Amaggi jamais adquirir grãos provenientes de áreas embargadas (pois tais áreas são automaticamente bloqueadas da base de fornecedores da empresa), mas pelo valor desarrazoado da multa aplicada e, principalmente, pelo fato de que nenhuma das comercializações da companhia está em desacordo com a Lista Oficial de Embargos do Ibama – o que torna os autos de infração nulos, por força da própria legislação. […]

“A empresa apresentou manifestação preliminar ao Ibama nos processos administrativos a fim de ver anulados os autos de infração ainda em fase preliminar, apontando a existência de vícios insanáveis”.

“Em sua manifestação preliminar, a Amaggi comprova a regularidade do seu processo de aquisição, respeitando os requisitos legais, inclusive quanto à verificação da Lista Oficial de Embargos do Ibama. A Amaggi está confiante de que a autoridade ambiental reconhecerá, ainda em fase de análise preliminar, na esfera administrativa, a nulidade dos autos de infração em decorrência dos vícios insanáveis apontados”.

“Por sua vez, vale registrar que a proprietária do imóvel já demonstrou judicialmente a regularidade ambiental da Fazenda Vale Verde, e obteve na Justiça Federal decisão suspendendo auto de infração que, na mesma operação, lhe foi aplicado pelo Ibama”.

 

Fonte: Midia News

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