MPE diz que TJ “relativiza” provas e pede que médica vá a júri
Ekesio Rosa da Cruz
O Ministério Público Estadual (MPE) recorreu contra a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que negou o pedido para levar a médica Letícia Bortolini a júri popular pelo atropelamento e morte do verdureiro Francisco Lucio Maia em 2018, em Cuiabá.
O documento é assinado pelo procurador de Justiça Alexandre de Matos Guedes e será julgado pela vice-presidente do TJ, desembargadora Maria Erotides Kneip.
A decisão foi dada pela Primeira Câmara Criminal do TJ em setembro deste ano. Por unanimidade, os desembargadores seguiram o voto do relator, Orlando Perri, e entenderam que não há provas contundentes de que Letícia estaria bêbada no momento em que atropelou o verdureiro.
Também concordaram que, apesar dela estar em velocidade acima do permitido, a vítima contribuiu para o acidente ao entrar de forma repentina na avenida.
No recurso, o procurador afirmou que a turma julgadora deu “absoluta credibilidade” aos depoimentos das testemunhas de defesa e realizou uma “indevida incursão e relativização” – para não dizer “omissão” – das declarações prestadas pelas testemunhas de acusação.
“Nos trechos colacionados acima, o e. Relator enfraquece o depoimento prestado pelo policial Rafael – que realizou o Auto de Constatação de Sinais de Embriaguez – sob o argumento de que seus depoimentos em sede extrajudicial e judicial (prestados com 4 anos de diferença) foram divergentes, pois em um deles a testemunha teria ‘acrescentado sinais’ de ebriedade. Nesse ponto, a relativização da testemunha se deu também pelo fato de que o Exame de Embriaguez confeccionado pelo perito Marcos de Moraes, após mais de 3h da realização do Auto de Constatação e 5h após os fatos, não teria constatado sinais de embriaguez”, escreveu.
“Prossegue o acórdão afirmando que o fato de a recorrida ter chegado na delegacia ‘sorrindo’ e aparentando ‘estar nem aí’, além de estar com olhos e pele avermelhados não podem ser tidos como sinais de embriaguez, citando inclusive palavras do Padre Antônio Vieira que afirma que ‘chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva’”, acrescentou.
Em relação ao excesso de velocidade, o procurador também contestou o entendimento da Câmara de que o depoimento de Bruno Duarte Lins, testemunha ocular do fato, é contraditório e inseguro.
“Para subsidiar essa afirmação, o aresto afirma textualmente que o fato de Bruno ter conseguido alcançar a recorrida – após o acidente – revela a certeza de que ela não estava em alta velocidade – antes do acidente –, isto é, não há sequer a dúvida de que após ter atropelado ‘algo’ a recorrida possa ter diminuído a velocidade, pois o e. Relator concluiu com certeza que ‘tivesse a ré em alta velocidade, Bruno Duarte Lins, em perseguição a ela, jamais a teria alcançado perto do Big Lar, não sem imprimir velocidade superior à por ela desenvolvida’”, escreveu.
Guedes afirmou que basta uma análise superficial dos fatos para observar que há provas robustas de que a médica estava alcoolizada e acima da velocidade e, portanto, praticou crime de homicídio doloso e deve ser julgado perante o tribunal do júri.
“Ante o exposto, requer a essa Excelsa Corte Superior que admita e dê provimento ao presente especial, reconhecendo a violação aos artigos 413, §1º, do CPP, 18, I, e 121, §2º, III, ambos do CP e, por consequência, reforme o acórdão impugnado para pronunciar a recorrida a fim de que seja oportunamente submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri”, pediu.
Atropelamento e morte
O caso aconteceu na noite do dia 14 de abril de 2018, por volta das 19h30, na Avenida Miguel Sutil, em frente à agência do Banco Itaú do Bairro Cidade Verde. Na ocasião, a médica voltava de uma festa “open bar” com o marido.
Na denúncia, o Ministério Público Estadual aponta que a médica, “conduzindo veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, em velocidade incompatível com o limite permitido para a via, assim como assumindo o risco de produzir o resultado, matou a vítima Francisco Lucio Maia”.
Segundo o MPE, após atropelar o verdureiro, a médica deixou de prestar socorro à vítima, bem como afastou-se do local do acidente.
Consta ainda que Letícia conduziu veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool.