Gisela detona Abílio por suposta “inversão de valores” durante debate sobre o aborto; deputado afirma que as mulheres desejam “curtir a vida”
Ekesio Rosa da Cruz
Depois que o deputado federal Abílio Brunini (PL), co-autor do “PL da Gravidez Infantil”, usou a tribuna da Câmara Federal para dizer que mulheres querem abortar “para curtir a vida”, a deputada federal Gisela Simona (União), e sua ex-aliada em pleitos passados, rebateu a fala do parlamentar: “foi infeliz”.
Em entrevista à Rádio Cultura FM, concedida nesta sexta-feira (14), Gisela explicou que a proposta, na verdade, revitimiza a criança ou a mulher que sofreram estupro, além de representar um retrocesso no combate à violência sexual.
Gisela afirmou que a bancada feminina na Câmara foi surpreendida com a aprovação do regime de urgência para a tramitação do PL. A comparação entre o aborto legal e o crime de homicídio também foi destacada por Gisela, que considerou uma imoralidade e inversão de valores.
“Realmente nós tivemos votação assustadora, antidemocrática, arbitrária por parte da condução do presidente Lira no sentido de que tivemos aí, em 23 segundos, a aprovação do regime de urgência de um PL […] A própria bancada feminina da Câmara não teve, em razão do regime de urgência, essa discussão que seriam nas comissões temáticas exatamente para avaliar esses contrapontos referente ao PL. Nós ficamos tolhidas, na verdade, em poder nos manifestar”, lamentou a parlamentar.
A fala de Gisela foi em reposta ao pronunciamento inoportuno e infeliz dado por Abílio, que defendeu a proposta que pretende punir as vítimas de estupro caso queiram abortar após serem violentadas.
“É uma baita covardia. Querer destruir a vida humana porque simplesmente ainda quer curtir e viver de outra forma. Ah mas é a criança, adulto ou adolescente? O bebê não tem culpa de nada. Uma vida que tem direito de existir. Não podemos, sob hipótese nenhuma, sob justificativa nenhuma, defender o aborto, defender o assassinato de bebês”, declarou o parlamentar, em defesa dos estupradores.
Ocorre que o PL trata do aborto legal, previsto no Código Penal Brasileiro, que permite as vítimas de estupro abortar. Porém, caso a proposta seja aprovada na Câmara, as vítimas passarão a responder por homicídio simples e poderão ter uma pena maior que do próprio estuprador.
“Não podemos admitir que uma mulher estuprada seja punida e, pior ainda, com uma pena ainda maior que a do estuprador. É uma proposta que revitimiza as mulheres violentadas”, completou Gisela.
A proposta passou a tramitar em regime de urgência e vai contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O projeto proíbe a assistolia fetal, procedimento que consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele seja retirado do útero com sinais vitais, e que é tido pelos protocolos nacionais e internacionais de obstetrícia como a melhor prática assistencial à mulher em casos de aborto legal acima de 22 semanas.
Gisela lembrou ainda que a proposta ainda vai na contramão do combate ao crime, uma vez que o projeto irá inibir as denúncias de violência, pois as mulheres não vão se sentir segura em denunciar a violência sexual, sabendo que pode ser mais penalizada do que quem a violentou.
Gisela destacou que os dados são alarmantes e o projeto irá inibir ainda mais as vítimas de buscar as autoridades e o sistema de saúde.
“Caso o PL 1904/24 seja aprovado, a mulher ou criança que engravidar em decorrência de um estupro e opte pelo aborto poderá ser presa por até 20 anos. Enquanto a pena para o estuprador é de até 10 anos. Deveríamos estar discutindo o aumento da pena para o abusador e não o contrário. Vamos punir a vítima duas vezes. Isso é inadmissível”, afirmou.
Existe três casos em que o aborto é permitido no Brasil. São eles: anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto; gravidez que coloca em risco a vida da gestante e gravidez que resulta de estupro.
Para ela, Abílio foi infeliz: “É infeliz a fala do deputado quando ele coloca que é para curtir, quando se coloca que é como se fosse um querer voluntário, porque na verdade, os fatos reais, quem sabe da realidade brasileira: não é aquele aborto que a mulher faz porque eu não quero ter filho. Não é esse caso que estamos discutindo, estamos discutindo de um estupro, de crime grave, em que o Brasil deveria colocar como prioridade de votação o aumento da penalidade desse estuprador”, reafirmou.
Ex-aliados
Em 2020, na disputa pela prefeitura de Cuiabá, Gisela Simona se candidatou, mas acabou em terceiro lugar. Após sair da corrida, ela resolveu apoiar Abílio no segundo turno, mesmo após ele ter dito, em um debate, que ela seria uma boa candidata, “mesmo sendo mulher”.
Agora deputada, ao lado dele na Câmara Federal, ela tem se posicionado contrário à diversas falas de Abílio em relação às mulheres. O mais recente contraponto foi o desta sexta-feira (14), na entrevista concedida à Rádio Cultura.