Agricultor diz que caravana foi oportunidade para sair da ‘cegura’

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José Medeiros/Gcom-MT
CAMARA VG

Um ano após fazer a cirurgia de catarata, o potiguar, que mora em Mato Grosso desde que ainda era moço, Francisco de Assis da Silva, 82, conta orgulhoso que puxou o cordão da família. Depois dele, a esposa, a filha e uma cunhada botaram o pé no caminho e enfrentaram a sala de operações da Caravana da Transformação. “Eu tenho só um olho e já estava vendo com neblina do outro. Eu não podia perder a oportunidade. Meu pai sempre me disse: se a oportunidade procurar você e você não abraçá-la, ela vai embora e você passará o resto vida correndo atrás dela”.

Ele tem um sítio em Nova Xavantina e foi informado do evento pela agente de saúde, que acompanha o caso dele e tinha o colocado na fila para regulação. A situação do agricultor era complicada porque quando era jovem, trabalhava em uma fazenda e a tampa do tanque de um trator escapou e o óleo diesel jorrou, acertando um dos olhos dele. “Eu morava longe de tudo e não tive como ir atrás de tratamento. Quando a mulher me disse que ia ter mutirão de médicos para curar 'cegura' e que tinha gente que foi cego e voltou vendo, eu logo fui”.

A mulher dele, Luzia Francisca de Souza Silva, 68, também enfrentava problemas de visão, mas optou por não acompanhar o marido. “Ela estava com medo e ficou cozinhando o galo para não ir. Mas se existe medo neste mundo, eu não sei. Nunca senti isto”.

E assim, o agricultor familiar arrumou uma pequena mala e foi para o ponto onde o transporte ia pegar os pacientes da área rural. O horário marcado era às 04h da manhã, porém ele preferiu chegar meia noite para não correr o risco de perder a condução.

A viagem começou bem cedinho e assim que chegou a Canarana, logo foi para a fila fazer o cadastro e em seguida, passou pela consulta. O médico marcou a cirurgia para o dia seguinte e a organização do evento, encaminhou Francisco, bem como outros pacientes para um alojamento, instalado em um colégio de padres. “Nunca vi um coisa para pobre tão arrumada. E olha que tinha gente vindo do oco da taboca. Eu convidei um monte de velho da comunidade para ir. Os que me acompanharam, sabem como sou. Tem gente que me chama de ignorante, mas eu falo o que penso e o que vejo na cara”.

O aposentado lembra com detalhes do dia em que foi operado. “Eu fiquei na fila, mas estava só pageando. Eles colocavam um sapatão de pano, uma camisola e davam uma caixa para cada um carregar. Depois, quando chegou minha vez que entendi que dentro da caixa estava a lente”.

Francisco narra que lembra de tudo que aconteceu. O médico colocou um aparelho no olho dele e pediu para ele não fechar os olhos. Então, apareceram algumas luzes e um pequeno calor. Em seguida, as técnicas já vestiram o óculos escuro e o encaminharam para a área de orientação dos cuidados a serem tomados em casa.

Já nos primeiros minutos após o procedimento, Francisco sentiu a diferença e assegura que parte do sucesso da cirurgia se deu pelo cuidado que teve com o pós-operatório. “Eu não tirei aquele oclão escuro e fiz tudo certinho. Nada de colocar a cabeça para baixo, nem na hora de lavar os pés. Os banhos eram somente mornos e também não comi nada remoso, frango apenas sem pele e nem maxixe ou outras verduras que tem pelo. Eu vi gente se queixando que não deu certo, porém não tomou os cuidados”.

Animada com o resultado obtido pelo marido, Luzia resolveu fazer também a cirurgia. Estava muito difícil ler as receitas do crochê e as legendas na televisão. “Ele diz que eu estava com medo, mas não é isto. É que temos muita criação e os dois não podem sair juntos do sítio. Como ele tem só um olho, achei melhor ir primeiro. E, como teria outra caravana em Barra do Garças, eu fui lá, junto com a filha dele. Ainda falei que foi uma beleza para todo mundo e incentivei minha irmã a ir em Rondonópolis”.

A arte de coser

Com uma pontaria de atirador de elite, Celsiolina Ferreira dos Santos, 72, põe a linha na agulha. Ela não conseguia fazer isto um ano atrás e inclusive tinha aposentado a máquina de costura, que para ela é mais que uma atividade, é um remédio contra a ansiedade.

Em General Carneiro, onde mora, ela é conhecida como Ina e divide o tempo entre o trabalho doméstico, os cuidados com a chácara da família, a leitura de romances, a criação de blusas e figurinos, para ela e para os filhos, e os tapetes. “Às vezes eu sinto uma angustia no meu coração tão forte e para me acalmar, preciso pegar meus tecidos. Meço, corto e costuro. Chego a fazer três tapetes em uma tarde”.

Antes de fazer a cirurgia em Barra do Garças, Ina estava sem muitas opções de entretenimento. Mesmo usando óculos pesado, não conseguia sequer fazer um molde. “Eu estava muito desgostosa. Um dia, queria fazer uma blusa nova para ir para Igreja. Comprei o tecido e depois de fazer o corte, vi que estava tudo torto. Então, resolvi deixar para lá”.

Após a cirurgia, tudo ficou mais fácil. Agora, sem sequer pestanejar, ela ê o livro de receitas e já está com o estoque repleto de tapetes. E quanto aos romances, eles estão de vento em popa. “Eu gosto dos espíritas e aqueles que têm uma história linda e apaixonada. Eu compro e troco com amigos e vizinhos. Sempre que sento na cadeira na frente de casa, eu leio em voz alta porque meu marido gosta muito das histórias também”.

Balanço

A Caravana da Transformação já realizou 83.886 consultas, 61.252 cirurgias oftalmológicas e 330.330 serviços de cidadania. A última edição acabou na semana passada em Cuiabá e os resultados serão apresentados em uma coletiva à imprensa nesta segunda-feira (14), às 9h30, no Palácio Paiaguás.

A próxima edição será em Sinop de 21 de maio a 2 de junho.

https://youtu.be/mFD0eGyghz8

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