Desembargadora, promotora e delegada dizem que lei de abuso de autoridade prejudica mulheres agredidas

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Foto: Rogério Florentino / OD / Reprodução
ALMT TRANSPARENCIA

Fonte: Olhar Direto

A desembargadora Maria Erotides, a promotora Lindinalva Rodrigues e a delegada Jozirlethe Magalhães Criveletto, que atuam em defesa de mulheres vítimas de violência doméstica, afirmaram que, caso seja sancionada, a lei de abuso de autoridade irá prejudicar o atendimento e proteção às vítimas. Da maneira como foi redigido o projeto de lei, elas afirmam que irá cercear a atuação dos agentes de proteção.
 
A proposta lista 37 ações que, se forem praticadas com o intuito de prejudicar ou beneficiar alguém, configura abuso de autoridade. Entre elas, a de executar mandado de busca e apreensão de forma ostensiva para expor o investigado, impedir encontro reservado entre presos e seus advogados e decretar a condução coercitiva de testemunhas ou de investigados que não tenham sido intimados a depor.
 
A promotora Lindinalva Rodrigues, que atua no combate à violência doméstica, afirmou que alguns pontos desta lei até podem ser vistos como positivos, mas a maioria já é tratada em outros dispositivos jurídicos. Ela ainda disse que, se sancionada da maneira como está redigida, a lei irá prejudicar o combate à violência.
 
“Realmente no enfrentamento à violência doméstica nós vamos ter muitas perdas porque ela dificulta a decretação das prisões preventivas e isso é muito importante para salvar as vidas mulheres. Quando se fala em violência doméstica, é como abrir a caixa de pandora. Você abre e não sabe. São relações de afeto, amor e ódio. Hoje a mulher quer e amanhã ela sofre todo tipo de pressão e não quer mais. Nesses casos tão complexos, a autoridade judicial, policial e o MP podem ficar a mercê de algum tipo de punição por simplesmente estar fazendo seu trabalho. Isso pode, sim, dificultar a execução da lei Maria da Penha”.
 
A delegada Jozirlethe Magalhães Criveletto, titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher em Cuiabá, também criticou a lei e disse que tornará inviável a atuação da polícia no combate à violência doméstica.
 
“Com certeza inviabiliza, porque são várias normativas que, na realidade, você cinge muito a questão de como proceder da autoridade policial. Para você ter uma ideia, alguns policiais já mencionam que não poderão fazer o que já fazem, que é prender e estar ali cumprindo os mandados de prisão, porque ela acaba engessando esse sistema nosso que é agir para preservar a segurança da vítima. Quando você tem várias medidas que acabam engessando a consecução desse sistema de aprisionamento, o próprio profissional acaba reticente em aplicar a lei. Para nós, é muito dificultoso essa questão e principalmente para a vítima de violência doméstica”, disse.
 
Ela ainda afirmou que há algumas particularidades em relação aos casos de violência doméstica. A delegada relatou que as vítimas, que geralmente estão sendo ameaçadas ou acabaram de ser agredidas, muitas vezes têm que voltar ao mesmo ambiente doméstico. Neste sentido, ela afirma que a lei pode cercear atuação das forças de segurança para afastar o agressor da vítima.
 
“A vítima de violência doméstica, a particularidade dela, é justamente que ela convive com esse autor de crime. Se você é vítima de um crime na rua, você vai embora para a sua casa e nunca mais você vai ver aquele autor. A vítima [de violência doméstica] é aquela velha história de dormir com o inimigo. Ela volta para a mesma casa em que o autor acabou de ameaçá-la, que vai matar ela, então ela vai ter que voltar ao convívio. Nós precisamos de medidas que realmente irão restringir a liberdade do autor, para que ela não tenha convívio com o agressor. A lei de abuso de autoridade acaba engessando esse sistema”.
 
A desembargadora Maria Erotides Kneip, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher), disse que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem buscado capacitar os servidores e juízes para melhor atender as vítimas de violência doméstica e vê com maus olhos o possível cerceamento da atuação dos magistrados. Ela afirmou que as vítimas é quem serão as maiores prejudicadas.
 
“É uma matéria que está muito em discussão. A gente sabe, uma discussão nacional. Eu penso que todo mecanismo que busca cercear a atuação do magistrado, Ministério Público, das polícias, ele precisa ser visto com muita reserva. Não somos nós os prejudicados, nós temos garantias constitucionais. Quem é prejudicado é a população”.
 
A promotora Lindinalva ainda disse que o que se deve buscar é fazer com que a Lei Maria da Penha seja efetivamente aplicada, com mais investimentos públicos e união entre os poderes e instituições.
 
“A lei Maria da Penha é uma lei de primeiro mundo, muito bem elaborada. Eu entendo que o que ela precisa é ser aplicada, porque ela não é. Criar-se por exemplo, centros de referência para o atendimento de mulheres em situação de violência, criar os centros para que os homens tenham a educação e reeducação contra o machismo, contra os atos violentos. Ou seja, colocar a lei Maria da Penha realmente em uso, cumprir-se todos os seus termos que hoje ainda não estão sendo cumpridos. Inclusive, nós somos a única capital do Brasil que não temos um centro de referência para mulheres vítimas de violência. Este tipo de acordo, essa união de força entre todos os poderes e instituições, com certeza vão nos levar ao enfrentamento correto da violência doméstica no Estado”.

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