Famílias que cultivam nas Fazendas Boi Gordo há 7 anos poderão ser removidas

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Foto: Do internauta
CAMARA VG

Olhar Direto

Uma negociação de urgência com a massa falida da Boi Gordo poderá decidir o destino de 500 famílias que ocupam há 7 anos uma das maiores fazendas do frigorífico. Se as tentativas de acordo frustrarem até a manhã desta quarta-feira (27), os 129 mil hectares das Fazendas Reunidas Boi Gordo, a 200 km da cidade de Nova Lacerda, serão submetidos a reintegração de posse.

O procedimento já conta com a ciência do Governo do Estado e da Polícia Militar. Mesmo assim, o risco de acontecer uma chacina é grande, alerta a equipe de defesa dos trabalhadores, que cita o risco de contratação ilegal de militares à paisana e pistoleiros para "forçar" a reintegração. Entenda:

“Urgente! Perigo de vida! Iminência de cometimento de crime de chacina em área rural!”, apela o documento enviado pela Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Alto Guaporé (APRCAG), sob presidência de Edon Rui Durks, e a Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Novo Comodoro (APRCNC), sob presidência de Marcia Queiroz, ao então secretário de Estado de Segurança (SESP) Rogers Jarbas. O apelo foi assinado no último dia 11 de setembro e recebido no dia 13, sob protocolo 497371/2017

As duas associações formam a “Ocupação da Associação Alto Guaporé” e a “Comunidade Novo Comodoro”. Mas quem são eles? “Famílias de trabalhadores rurais que são legítimos possuidores de uma área de terras, localizada no município de Comodoro, na região do Vale do Guaporé” e que “adquiriram a posse mansa e pacífica do imóvel há mais de 6 anos, sem nenhuma oposição de quem quer que seja”.

Nas mãos daqueles trabalhadores, a terra jamais foi improdutiva. As famílias estão “cuidando e zelando do pedaço de terra que possuem, e sobre ela realizando algumas benfeitorias, construindo casas de madeira e alvenaria, reformando e cercando o imóvel para a criação de gado, enfim, tornando o imóvel produtivo, mesmo que de maneira modesta”, afirma Catiane Felix Cardozo de Souza, advogada dos trabalhadores na ação.

Foto tirada na ocupação.


Sete anos de produção poderão ser destruídos em poucos minutos. A decisão foi dada em 22 de janeiro de 2016, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que, conduzindo o processo de falência do grupo Boi Gordo, determinou a desocupação da fazenda, a ser arrendada pela Sperafico Agroindustrial Ltda. A carta precatória com o teor da decisão encontra-se hoje em posse da 1ª Vara Cível de Comodoro. Nela, encontra-se um mapa, que revela a área a ser demolida.

 

Ressalta-se que “as famílias prejudicadas não foram parte no mencionado incidente processual, jamais foram incitadas a participar, apresentar defesa ou qualquer outro ato processual. Sequer tinham informações de que suas áreas estariam inseridas dentro do mapa apresentado pela massa falida das Fazendas Reunidas Boi Gordo”.  

Na tentativa de evitarem as destruições, as associações se reuniram e deliberaram, em 02 de setembro deste ano, que pretendem adquirir títulos para regularizarem suas situações possessórias. Pretendem comprar a área. Tudo o que pedem, neste momento, é uma rodada de conciliação com a Boi Gordo, para que a proposta seja apresentada.


Foto da reunião dos trabalhadores.

 

Uma proposta de compra das terras, pelos trabalhadores, já fora protocolizada junto ao Juízo de São Paulo. O Código do Processo Civil, conforme o artigo 565, obriga a realização de audiência de mediação, antes de qualquer decisão envolvendo posses de terras. As famílias pretendem pagar R$ 750,00 por hectare, dando uma entrada de 20% do valor da terra, dividindo o restante em quatro parcelas anuais. À proposta, nenhuma resposta foi dada.

Paralelamente, no último dia 11, a defesa das famílias protocolizou apelo ao Tribunal de São Paulo, requisitando a suspensão do cumprimento da Carta Precatória enviada ao juízo de Comodoro no ano passado (conforme documento acima). Solicitam, assim, que os autos sejam remetidos à Vara de Conflitos Agrários de Cuiabá, para que se realize audiência de mediação, onde finalmente uma proposta de compra poderá ser oficializada.

A reunião ainda não ocorreu. Mas o tempo, implacável, corre. O oficio 413, confeccionado no dia 05 de setembro pela 2ª Cia Independente da Policia Militar, sob responsabilidade do Major da PM Deivty de Oliveira Tomé, já trata como certa a reintegração de posse nesta quarta-feira (27).
 
A reingração também já conta com a “benção” do Comitê Estadual de Conflitos Fundiários (CEACF), que no dia 22 de agosto deste ano, autorizou a reintegração e pontuou a complexidade do caso, requisitando apoio logístico da Polícia Militar, conforme o Procedimento Administrativo 151711/2017.

O fato é que “existe um grande e grave risco de ocorrerem atrocidades/chacina na área”, assevera a advogada. “Colocar-se-á em risco a vida de pais, mães, crianças, idosos e também do reduzidíssimo número de policiais militares que tentarão realizar a reintegração”.

Infelizmente, o temor não é apenas este, revela a defesa dos trabalhadores.

“Senhor Juiz. Utilizo-me do presente expediente para informar a Vossa Senhoria, que a Operação Policial de reintegração de posse da fazenda Reunidas Boi Gordo, será realizada de 27 a 06 de setembro de 2017. Outrossim, informo que a Relação de apoio logístico e de pessoal necessários para o dia da Operação de Reintegração de Posse a ser providenciado pelos representantes da Fazenda Reunidas Boi Gordo, encontra-se em anexo, devendo à parte a autora providenciar até a data de inicio da Operação”, diz o oficio assinado no último dia 05 pelo Major da PM Deivty de Oliveira Tomé.

O receio maior está descrito acima, assevera a defesa. Que “a parte autora, provida de fartos recursos financeiros, contrate ‘guachebas’, ‘seguranças’ e profissionais ‘à paisana’, para ilegalmente dar cumprimento à ordem, ocasionando uma verdadeira guerrilha na área, com derramamento de sangue de trabalhadores rurais humildes”.

O risco é agravado por boatos que rondam na cidade de Comodoro, no sentido de que “as Fazendas Reunidas Boi Gordo está contratando ilegalmente policiais militares para realizarem o cumprimento da reintegração sem devida ciência/aprovação desta secretaria de segurança pública”, declara a advogada Catiane de Souza.

“A situação é desesperadora. As famílias estão amedrontadas”

O imóvel, apesar de viver sete anos de paz e progresso, tem histórico nebuloso. Segundo ata de reunião do Comitê Estadual de Conflitos Fundiários para o caso, trata-se de 129 mil hectares de uma “região problemática, com diversas ocorrências de conflitos, ameaças e homicídios em relação às propriedades rurais”.

Na manhã da última sexta-feira (22), os trabalhadores das associações iniciaram um protesto contra a reintegração de posse e exigem o direito de negociar a compra das terras.

Nesta segunda-feira (25), os trabalhadores se reuniram com sua assessoria jurídica para discutir os últimos passos antes do derradeiro cumprimento da decisão de São Paulo. A expectativa é que uma manifestação seja feita no local, no momento da reintegração de posse, nesta quarta-feira (27). Nenhuma morte foi registrada ate o momento.

Boi Gordo:

Criada em 1988, a empresa Fazendas Reunidas Boi Gordo iniciou em 1996 processo de abertura de investimentos em animais. Foram mais de 30 mil pessoas que investiram neste esquema de pirâmide financeira, que pagava contratos vencidos com recursos de novos investidores.

A empresa era administrada por Paulo Roberto de Andrade, que oferecia aos investidores contratos de investimento que prometiam retorno de 42% em 18 meses. Os ganhos viriam tanto da engorda do boi para abate quanto do crescimento de bezerros. Mais tarde descobriu-se que a empresa funcionava como uma pirâmide, pagando os contratos vencidos com o dinheiro da entrada de novos investidores. Os rendimentos oferecidos não refletiam o lucro com a atividade pecuária. Quando os saques superaram os investimentos, a pirâmide desmoronou. 

A notícia de que o negócio não ia bem se espalhou e milhares de clientes resgataram o dinheiro. A Boi Gordo declarou ter 100 mil cabeças de gado no pasto, mas deveria ter pelo menos dez vezes mais, de acordo com os valores recebidos dos investidores. A situação ficou insustentável e, em 2001, entrou em concordata e foi vendida para os grupos Golin e Sperafico no final de 2003, tendo a falência decretada pela Justiça em 2004 e os seus efeitos estendidos para as demais empresas do grupo e para o seu administrador em 2006. 

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