Nas últimas horas, a Câmara dos Deputados se tornou palco de intensas articulações em torno de uma proposta de anistia que pode alterar significativamente o cenário político brasileiro. O projeto em debate busca conceder perdão amplo a crimes e irregularidades cometidos desde 2019, o que abriria caminho para reverter punições aplicadas a aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e até mesmo restituir seus direitos políticos, hoje suspensos por decisão da Justiça Eleitoral.
A proposta, elaborada pelo líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), prevê que a anistia se estenda a todos investigados e condenados desde o início do governo Bolsonaro. Isso incluiria acusações ligadas aos atos de 8 de janeiro de 2023, crimes contra a honra de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ataques ao sistema eleitoral. Se aprovada, a medida derrubaria inelegibilidades já decretadas, o que permitiria que Bolsonaro voltasse a disputar as eleições de 2026.
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, têm intensificado conversas com líderes do Centrão. Reuniões com caciques de partidos como PSD, União Brasil, PP e Republicanos visam construir uma base sólida para garantir a tramitação do texto. Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, foi ainda mais enfático: disse que a direita só apoiará a medida se ela for “ampla e irrestrita”, incluindo diretamente seu pai. Caso contrário, segundo ele, qualquer alternativa será tratada como traição dentro da base bolsonarista.
O movimento, no entanto, encontra resistências. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) trabalha em um texto alternativo que reduziria penas e concederia benefícios a réus dos atos antidemocráticos, mas sem estender o perdão ao ex-presidente. A estratégia busca conter o desgaste político que uma anistia a Bolsonaro poderia gerar, além de evitar atritos mais intensos com o STF.
A Corte Suprema, aliás, já enviou sinais claros de que uma anistia ampla dificilmente se sustentaria juridicamente. Ministros lembram que, recentemente, o tribunal derrubou o indulto concedido por Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, considerado inconstitucional. Para juristas, estender a medida a crimes contra a democracia seria um “ataque frontal à Constituição”.
Parlamentares da base governista também reagiram com veemência. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) classificou a proposta como “um escárnio com a democracia”, enquanto o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), afirmou que “pedir anistia é apostar na impunidade de quem atentou contra o Estado de Direito”.
Apesar das divergências, a pressão dos aliados de Bolsonaro promete manter o tema no centro das atenções do Congresso. A votação da proposta, entretanto, não deve ocorrer de imediato. Sóstenes Cavalcante declarou que o projeto só será pautado após o julgamento do STF que pode resultar em nova condenação a Bolsonaro, previsto para a próxima semana.
O embate em torno da anistia escancara a disputa política que atravessa os três Poderes. De um lado, a tentativa da oposição de reabilitar Bolsonaro para 2026; de outro, a resistência de setores do Senado, do governo e do Judiciário, que veem na proposta uma ameaça às bases constitucionais do país. O desfecho dessas articulações pode redefinir não apenas o futuro político de Bolsonaro, mas também os limites da relação entre Congresso e Supremo.