Delegado aposentado é condenado a 14 anos por assassinato de jesuíta espanhol em MT

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ALMT TRANSPARENCIA

O delegado aposentado da Polícia Judiciária Civil Ronaldo Antônio Osmar foi condenado a 14 anos e 3 meses de prisão pelo homicídio duplamente qualificado (à emboscada) do jesuíta espanhol Vicente Cañas Costa, em 06 de abril de 1987. A sentença, que põe fim a 30 anos de agonia dos familiares, foi proferida pelo Tribunal de Júri da Justiça Federal em Mato Grosso na tarde desta quinta-feira (30). O réu poderá recorrer em liberdade.

Ronaldo Antônio Osmar é o último sobrevivente de um grupo de 04 acusados na sentença de pronúncia, proferida em 2001 pelo magistrado Jefferson Schneider. No auditório, demonstrou serenidade a todo instante.

O processo iniciou-se às 10h desta quarta-feira (29), sob comando do magistrado federal Paulo César Alves Sodré. Dos 17 pretensos jurados, 07 compuseram o conselho de sentença, após um agitado processo de acolhimento e exclusão de candidatos. Tanto o Ministério Público Federal (MPF), cuja banca é composta pelos promotores Alisson Cirilo Campos e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, quanto a defesa, encabeçada pelo advogado Waldir Caldas, usaram do poder de barrar determinados jurados, por critérios subjetivos.

Os júris selecionados para compor o conselho de sentença se dispuseram a passar a noite desta terça-feira (29) em hotel disponibilizado pela Justiça Federal e a permanecerem incontactáveis, entregando seus aparelhos celulares às autoridades policiais.

Justiça, ainda que tardia:

Aloir Passini, jesuíta da “Companhia de Jesus” e antropólogo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), lamenta a retomada tardia do processo, mas vê importância no julgamento simbólico proposto pelo MPF. “Vivemos em um Estado de direito, mas os direitos indígenas estão sendo negociados, tanto na Câmara dos Deputados quanto na Assembleia Legislativa. O direito dos índios não são reconhecidos até hoje”.

Conforme o relato da acusação, Vicente Cañas foi morto em 06 de abril de 1987, enquanto se banhava as margens do rio Juruena, em local denominado “Caixão de Pedra”, na reserva indígena Salumã, em Juína, Mato Grosso. À golpes de porrete e facadas no abdômen, o defensor dos "Beneditinos da selva", termo que definida os índios Enawenê-Nawê, foi brutalmente assassinado. O corpo de “Kiwxí", como o povo adotivo o chamava, foi encontrado somente em 16 de maio. Seus pertences foram destruídos. O caso permaneceu sem julgamento por 30 anos.

O Crime e o Rito Penal

Objetos pelo chão testemunharam uma luta sangrenta que o espanhol travou pela vida naquele fatídico dia. Conforme os autos, datados de 2001, perto da vítima foi encontrado um barco furado, utensílios de barraca extraviados, chinelos jogados ao longe um do outro, e sangue, muito sangue. Por todos os lados, nas roupas, na burduna e nos óculos, quebrados com emprego de violência, segundo parecer técnico. 

“Seu corpo foi arrastado para fora da cabana para que os animais o comessem e destruíssem as provas. No entanto, foi encontrado 40 dias depois, mumificado e conservado. Na manhã do dia 22 de maio, ele foi enterrado como os indígenas, em sua própria rede, em um buraco cavado a 4 metros de distância de onde o corpo havia sido encontrado. Vários indígenas Enawenê-nawê, Rikbaktsa e Mÿky, juntamente com vários missionários e leigos, fizeram seu sepultamento”, relata o CIMI.

A denúncia do caso foi feita inicialmente pelo Ministério Público Estadual (MPE) e levada ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), em 30 de dezembro de 1993. Inicialmente a ação incluía as pessoas de Antônio Mascarenhas Junqueira e Camilo Carlos Óbici. Porém, por meio de Habeas Corpus (HC) junto a Segunda Instância do Tribunal Estadual, Mascarenhas foi retirado da lista de réus da ação penal. Pouco tempo depois, Camilo Óbici também teve seu nome retirado.

Pouco tempo depois, a justiça Estadual entendeu pela competência da Federal para julgar o caso, designando os autos para o Procuradoria da República, que apresentou sua denúncia inaugural somente em 27 de agosto de 1999.

A sentença de pronúncia, proferia somente três anos depois, em 07 de novembro, pelo magistrado Jefferson Schneider, da Segunda Vara da Justiça Federal, não apresenta dúvidas: trata-se de homicídio duplamente qualificado por emprego de emboscada e uso de arma branca cortante.
 

Sobrinhos e amigos de Vicente Cañas. Alguns vieram da Espanha para acompanhar o Júri em Cuiabá. 


Ao lado da reserva indígena Salumã, onde Vicente Canãs fixava moradia à época, fica a “Fazenda Londrina”, de propriedade do acusado Pedro Chiquetti, o qual tinha por capataz o acusado José Vicente da Silva. Depoimentos trazidos aos autos confirmam um histórico de embate entre o produtor rural e os indígenas.

À par da disputa, figura o terceiro acusado, o delegado aposentado da Polícia Civil Ronaldo Antônio Osmar, que segundo a denúncia, era “conhecido na região por atuar em prol dos fazendeiros e madeireiros, pressionando índios e funcionários da Funai” a abrirem mão da disputa pela terra. O quarto e último acusado, Martinez Abadia da Silva, apresentado aos autos como “conhecido pistoleiro da região”.

As investigações, no início dos anos 2000, contou com a confissão do último acusado. À frente dos índios Paulo Tompeba e Adalberto Pinto, Martinez Abadia da Silva confessou ter recebido dinheiro de Ronaldo Antônio Osmar, à mando de Pedro Chiquetti, “para que juntamente com outros elementos, mediante emboscada, ceifasse a vida da vítima. A negativa de autoria não encontra respaldo nas provas do processo”, consta da sentença.

Razão pela qual, o magistrado Jefferson Schneider entendeu pela pronúncia, nos termos originais da denúncia, contra Martinez Abadia da Silva, Ronaldo Antônio Osmar, Pedro Chiquetti e José Vicente pelos crimes previstos no Artigo 121, § 2, I e IV do Código Penal, isto é: homicídio “I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;” e “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido”.

Olhar Direto.

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