Os maus-tratos aos animais e a dispensa por justa causa do funcionário agressor

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Foto: Reprodução
CAMARA VG

A dispensa por justa causa é a forma de rescisão do contrato de trabalho mais gravosa para o trabalhador visto que retira deste o direito à percepção de diversas verbas rescisórias e, por esse motivo, as hipóteses para a sua configuração estão expressamente previstas em lei.

O artigo 482 da CLT traz o seguinte rol taxativo: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar; e m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão em decorrência de conduta dolosa do empregado.

Face ser a maior penalidade passível de ser aplicada ao trabalhador, a dispensa por justa causa deve observar alguns princípios, dentre eles: o princípio da proporcionalidade em que a ato faltoso do empregado deve ser proporcional à sanção imposta pelo empregador; o princípio da imediatidade quando o tempo entre a falta cometida pelo empregado e a sua aplicação deve o menor possível, para não configurar o perdão tácito; o princípio do non bis in idem em que o empregado não pode ser punido duas vezes pela mesma falta.

Cabe salientar que, geralmente, as penalidades são impostas de maneira progressiva, sendo as condutas faltosas punidas, primeiramente, com sanções menos severas, como advertência ou suspensão. Entretanto, pode acontecer da justa causa ser configurada por um único ato se o ato faltoso do trabalhador for grave o suficiente para justificar a rescisão do contrato de trabalho.

Em recente sentença, proferida pelo juiz Mauro Roberto Vaz Curvo, da 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, foi julgado improcedente o pedido de reversão da dispensa por justa causa formulado por um trabalhador de um frigorífico, aplicada por este praticar maus-tratos contra um animal.

A dispensa se deu em razão do funcionário afiar facas e “testá-las” nas patas do bovino, procedendo cortes indevidos, mutilando o animal, em desacordo com o procedimento operacional padrão do frigorífico e as normas de segurança e bem-estar animal.

Em sua decisão, o magistrado constatou que houve o desrespeito de diversas legislações que asseguram o bem-estar animal, entre elas, a Portaria n.º 365/2021 do MAPA que prevê em seu artigo 5º que: “Todo animal destinado ao abate deve ser submetido a procedimentos humanitários de manejo pré-abate e abate. §1º É proibido espancar os animais, agredi-los, erguê-los pelas patas, chifres, pelos, orelhas ou cauda, ou qualquer outro procedimento que os submeta a dor ou sofrimento desnecessários”.

Para o magistrado, “restou configurado a justa causa tipificada no artigo 482, incisos “b e h”, da CLT, quais sejam, mau procedimento e indisciplina/insubordinação, bem como houve imediatidade na punição, pois a dispensa ocorreu logo após a conclusão da sindicância”. Em sede recursal a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região.

Cabe ressaltar ainda que maus-tratos contra animais configura crime previsto no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais n.º 9.605/98, podendo a pena chegar a até 5 anos, isso quando se tratar agressão contra cão ou gato.

Outra decisão judicial que também manteve a dispensa por justa causa em razão de maus-tratos contra animais foi proferida em uma reclamação trabalhista da 16ª Vara do Trabalho de São Paulo. No caso em questão, o empregado foi dispensado por justa causa por uma rede de Pet Shop por ter praticado maus-tratos contra um gato ao dar banho no animal de forma violenta, caracterizando ato de agressão, além de não ter observado o procedimento padrão da empresa,

Para a magistrada Juliana Eymi Nagase, “com relação à tipicidade, a conduta do autor consubstancia a hipótese prevista no artigo 482, alínea “b” da CLT, caracterizada em virtude do mau procedimento por parte do autor, diante de sua conduta que atentou o procedimento da ré e colocou em risco a integridade física do animal sob seu cuidado”.

Diante da gravidade do comportamento do trabalhador, a magistrada considerou que o ato praticado quebrou a confiança entre empregado e empregador. Por conseguinte, negou todos os pedidos do trabalhador.

Verifica-se, assim, que a prática de maus-tratos contra animais pode ser enquadrada nas hipóteses do artigo 482, alíneas “b” e “h” da CLT, mau procedimento e indisciplina ou insubordinação, sendo que, restando preenchidos os demais requisitos, pode ensejar a dispensa do trabalhador por justa causa.

Carla Reita Faria Leal e Daiani Della Justina são integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT

 

 

Fonte: Informações/ Olhardireto