Em 27 de maio de 2016 nascia Ester, filha da vendedora ambulante Janoize Macione Garcia, 38 anos, natural do Rio Grande do Norte, mas residente em Alta Floresta há 18 anos. Mãe de outros quatro meninos, todos nascidos em Mato Grosso, Janoize teve eclâmpsia no momento do parto, uma condição rara, mas grave, que provoca convulsões durante a gravidez. A doença afeta cerca de uma em cada 2 mil a 3 mil gestantes, e pode afetar mesmo quem não tem um histórico de convulsões.
Começava naquele momento um drama familiar e a necessidade de uma ação imediata da equipe médica para salvar mãe e filha. “A minha filha teve infecção generalizada e pneumonia, foi afetada por uma bactéria forte e precisou ficar 43 dias entubada. Mas, graças à ação rápida e eficiente da equipe médica, a Ester foi removida para Tangará da Serra, onde recebeu o tratamento necessário que não havia no hospital em Alta Floresta. Foi tudo muito imediato e hoje a Ester está com 1 ano e 4 meses; é uma sobrevivente. Ela ainda precisa de alguns cuidados devido à baixa imunidade, mas leva uma vida normal”, relata a mãe, ainda bastante emocionada com a experiência.
De acordo com boletim de regulação de tratamento fora de domicílio à recém-nascida teve de ser removida do hospital de Alta Floresta para o hospital de Tangará da Serra, e a remoção foi realizada pelo serviço de UTI aérea, contratada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), para atender a diversas situações, entre as quais a que passou a pequena Ester.
“Fiquei surpreendida com o atendimento pelo SUS [Sistema Único de Saúde], não sabia da existência desse serviço até precisar; nosso caso foi atendido de imediato e com sucesso. Tenho somente que agradecer aos profissionais que salvaram a minha vida e a vida de minha filha. Eles merecem uma homenagem por tudo que fizeram por nós”, destaca Janoize.
Na tarde da última quinta-feira, dia 14, ocorreu uma movimentação diferente no hangar da empresa que realiza o serviço de UTI, localizado no Aeroporto Internacional de Várzea Grande. Por volta das 14h30 chegava ao hangar a recém-nascida Laura, com 32 dias de vida, procedente de Juína para Cuiabá para ser examinada pela equipe médica da pediatria do Pronto-Socorro. “Laura teve convulsões, no momento da remoção o quadro estava estável, mas é preciso saber o motivo da convulsão”, explicou a mãe, Andrea de Araújo, 28 anos, dona de casa e residente em Cotriguaçu, distante mais de 200 km de Juína. Após os exames, a volta para casa também será feita pelo SUS.
O voo de Juína até Cuiabá teve duração de uma hora e meia, enquanto que de carro os 744 km são percorridos em cerca de 10 horas. Na aeronave estavam o piloto, um copiloto, uma enfermeira e um médico, a pequena Laura e a sua mãe. Normalmente essa é quantidade de pessoas, entre tripulantes e passageiros, a bordo de um voo com UTI, explica o dono da empresa de UTI aérea, o comandante Hélio Vicente, piloto formado desde 1976.
Estrutura
A empresa transporta também paciente adulto. São sete aviões equipados com maca, aparelhos e equipamentos hospitalar, cilindro de oxigênio com autonomia para seis horas de voo e mais garrafa adicional de oxigênio de reserva para uma emergência, bomba de vácuo para aspiração do paciente, se precisar, além de medicamentos de acordo com o quadro clinico do paciente. No hangar existe uma ambulância própria para o transporte do paciente até a unidade de saúde, após o desembarque. Duas aeronaves de grande porte são usadas para os voos para outros Estados, por terem maior autonomia de voo.
O serviço é registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) de Mato Grosso e normatizado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e habilitado pelo Ministério da Saúde. Os equipamentos hospitalares são homologados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A inspeção é uma rotina e há controle rigoroso quanto ao prazo de validade dos produtos e medicamentos, bem como da incubadora. O transporte funciona 24 horas, inclusive nos finais de semana e feriados.
O transporte de paciente por UTI aérea é mais um importante serviço realizado pelo SUS para a população em geral quando o tratamento necessário não existe na rede de saúde do município onde o paciente reside e nem em outra cidade do Estado; nesse caso, é preciso remover o paciente para outro Estado onde há o procedimento habilitado e contratado pelo SUS, explica Juliano André Ribeiro de Proença, gerente do serviço de tratamento fora de domicílio (TFD).
Em Mato Grosso, esse tipo de serviço existe desde o ano de 2005, criado justamente para atender aos usuários do SUS em tratamento de saúde não disponível no Estado. Os casos mais atendidos com esse tipo de transporte são de pessoas com insuficiência respiratória, que precisam de transplante, de tratamento contra o câncer, de cirurgia cardíaca, paciente neonatal (recém-nascido) que nasce com alguma doença não tratável dentro do Estado.
Em 2016 foram transportados 487 pacientes, sendo 151 neonatais (31%), 118 pediátrico (24%) e 218 adultos (45%). Desses atendimentos, 29% foram casos de síndrome respiratória; 22% síndrome infecciosa e 20% síndrome traumática. De janeiro a agosto de 2017 já foram atendidos 362 pacientes que foram removidos dentro do Estado e 25 removidos para outros Estados.
Neste ano, a UTI aérea já voou 55.280 km para fora do Estado, sendo que Porto Alegre foi o destino com maior quilometragem 17.000 km voo; em segundo está Goiânia com 13.680 km voados e, em terceiro, São Paulo com 10.820 km. Dentro do Estado, foram 219.370 km de voo. O município com maior quilometragem de voo é Água Boa com 63.990 km; em segundo lugar está Alta Floresta com 57.800 km; em terceiro Juína com 50.780 km de voo e Confresa, em quarto lugar, com 47.810 km voo. No total foram 274.650 km de remoções dentro e fora do Estado.
De acordo com a coordenadora de Regulação, Sônia de Araújo Amorim, o paciente para ser atendido por esse serviço precisa ter passado por consulta ambulatorial na rede municipal de saúde e ter indicação médica para tratamento fora do domicílio (TFD). O pedido é encaminhado para a Central de Regulação de Cuiabá que avalia o caso e as providências necessárias. Entre a entrada do pedido e a autorização, o tramite é rápido, salienta a coordenadora.
“Pode haver alguma demora na remoção do paciente em alguns casos, como por exemplo, quando se tratar de cirurgia cardíaca pediátrica que depende de disponibilidade de vaga da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) em Brasília; existindo a vaga é comunicada a data do procedimento”, explica Sônia Amorim.
Documentos obrigatórios
Para que o paciente seja atendido pelo serviço de TFD e pela UTI aérea são necessários os seguintes documentos: laudos médico para emissão de AIH; com código SIH/SUS e de tratamento fora do domicílio e cópias de RG, CPF do paciente e do acompanhante, certidão de nascimento (quando menor), comprovante de residência, laudos dos exames e o cartão nacional de saúde do paciente e do acompanhante.
O deslocamento ocorre após a autorização da Central de Regulação que emite o Boletim de Solicitação de Transporte Aéreo, após análise e autorização do médico regulador.
O serviço de UTI aérea é financiado pela fonte 134, ou seja, recurso próprio do Governo do Estado. Somente em 2016 o investimento foi de R$ 9.730.249,20, com mais de 600 mil km voados.