Pergunta. Qual é o plano do PT para as eleições?
Resposta. Para nós, Lula continua sendo o candidato. Acreditamos que temos razão e no Supremo Tribunal Federal [onde se votou se o líder deveria ir para a prisão depois de ter sido condenado em segunda instância] houve um empate, cinco a cinco… A Constituição brasileira diz o seguinte: “Todos são iguais perante a lei”, em seu artigo quinto. Nesse artigo há um inciso, o 57, que diz: “Ninguém pode ser considerado culpado se sua sentença não transitou em julgado”. Ou seja, sem ter esgotado todos os instrumentos para se defender. Esse item é a presunção de inocência. Porque eu posso te prender e depois o tribunal te solta. Então, eu te prendi irregularmente e você cumpriu uma sentença sem culpa. Mas quando o processo de impeachment começou, em 2016, [a oposição] mudou a interpretação, não a Constituição, e disse que se podia prender provisoriamente. Quando o habeas corpus de Lula foi julgado, houve um empate no Supremo, que a presidenta da corte [Cármen Lúcia] decidiu contra ele. Nessa discussão, a maioria está inclinada a voltar à interpretação de que não se pode prender ninguém antes de “transitar em julgado”.
P. Mas se em setembro o Tribunal Superior Eleitoral anular a candidatura de Lula, o PT estaria fora das eleições.
R. Como você acha que o Brasil se sente sabendo que o presidente [Michel Temer] dirige uma quadrilha [de criminosos], ou que há gravações, provas materiais, contra o candidato que derrotei em 2014 [Aécio Neves]? Eles podem se candidatar e Lula não pode? Que justiça é possível em um país onde isso acontece? Precisamos que o país volte a se unir, o país não pode continuar dividido. Não é possível que o que nunca aconteceu antes, o assassinato da vereadora Marielle Franco, os tiros contra a caravana de Lula, seja a forma de fazer política. Para que isso seja superado, não há outro caminho que não seja o das eleições. É por isso que acreditamos que temos todo o direito de participar. Por que essa insistência em que o partido deve retirar Lula? Porque ele tem o apoio incontestável dos votos e do povo. Quem é o candidato dos golpistas? Alckmin com 5%?
P. Além de Lula, há vários líderes do PT envolvidos em esquemas de corrupção.
R. Tenho a tranquilidade de dizer que fui investigada e, até hoje, não fui condenada ou processada por nada.
Não deveria ter governado com um vice-presidente corrupto e traidor
P. Durante o seu Governo nunca suspeitou?
R. No Brasil houve um processo em 2006, o chamado Mensalão [pela compra ilegal de votos no Congresso durante o primeiro Governo de Lula], o primeiro processo contra o PT. Havia três teses. A primeira se chamava domínio do fato, que era uma distorção de um jurista alemão. É a predominância do fato, isto é, que o fato [crime] não precisa de provas específicas. Quando o procurador Dallagnol acusa Lula não traz anotações, é o único caso na história do Ministério Público em que um PowerPoint foi usado para acusar uma pessoa. Ele diz: “Não tenho provas, tenho convicções”. A segunda questão [tese] era: quanto mais alto na hierarquia, maior culpa, e você não precisa de caracterizações específicas porque o cargo da pessoa define a culpa, ou seja, criminaliza a presidência da República em nosso período, os presidentes são culpados. Terceira…
P. Mas não há autocrítica no PT?
R. Não, não é questão de autocrítica. É questão de institucionalidade legal. Aqui não se faz isso, não se pode, não se faz isso com [Mariano] Rajoy. Se você tem um problema com Rajoy, você tem que dizer por que ele é culpado e não [simplesmente] que ele é o primeiro-ministro. O fato de ocupar esse cargo não acarreta nenhuma culpa.
Houve uma distorção do poder judiciário no país para derrotar o PT
P. A senhora está dizendo que não houve corrupção em seu partido?
R. Não, estou dizendo que houve essas três características. Isso é justiça, não o que eu acredito ou deixo de acreditar. No Brasil há uma distorção do poder judiciário, eles tinham que nos derrotar [o PT] e fizeram a justiça do inimigo. A ironia é que aqueles que forneceram as armas fomos nós. Lula fortaleceu o Ministério Público, aumentamos os salários da Polícia Federal e eu fiz a lei das organizações criminosas, que institui a delação premiada e [mudou] o fato de que no Brasil aquele que corrompe não era criminoso, apenas quem era corrompido, e, portanto, as empresas que corrompiam não eram criminalizadas.
P. A senhora acredita que seu Governo fez todo o possível para combater a corrupção?
R. Meu Governo fez o que pôde e eu demiti vários deles. Eu vejo isso como Montesquieu: “Não pense que as pessoas são virtuosas, crie instituições virtuosas”. Eu estive no G-20quando as questões relacionadas ao que aconteceu na crise [da Europa e dos EUA] foram discutidas. Você acha que a corrupção existiria sem os paraísos fiscais? E que os paraísos fiscais antes do 11 de setembro eram combatidos? Por que se diz que a Suíça lava mais branco? A corrupção é algo que tem de ser combatida com estruturas nacionais e internacionais. O G-20 não estava combatendo a corrupção, mas o terrorismo. Mas os canais para lutar contra o terrorismo são os que combatem o narcotráfico, a evasão fiscal e a corrupção. Estão imbricados.
Meu Governo fez o que pôde para combater a corrupção
P. O que mais a senhora poderia ter feito durante o seu mandato?
R. Poderia ter feito muita coisa mais. Quanto mais me afasto daquele período, mais consigo pensar no que deveria ter feito. Não deveria ter convivido com um vice-presidente corrupto – então eu não sabia – e traidor. Para evitar a crise, concedemos isenções fiscais a muitas empresas. Eu não deveria ter aplicado isso a tantas porque elas embolsaram o dinheiro e não criaram empregos e nem aumentaram sua capacidade. Muitas pessoas que eu pensava que eram uma coisa são outra… Existem muitas medidas. Por exemplo, o Brasil precisa de distribuição de riqueza e isso não existirá sem uma reforma tributária.
P. Qual cenário a senhora prevê para as eleições?
R. Se deixarem que tenhamos eleições. Lutaremos por isso. Até a ditadura militar teve que realizar eleições para criar uma imagem de tranquilidade. Acho que se [o vencedor] fosse Lula, a estabilidade voltaria ao Brasil. É o que espero. Mas acho que farão tudo para que Lula não volte.
P. E sem Lula na equação?
R. Eu acredito que o campo popular vença. Não é só Lula a questão. Ele disse isso, e com razão: “Estarei na eleição vivo ou morto, preso ou livre, condenado ou absolvido, porque represento uma ideia e uma proposta. Eles descobrirão que, mesmo que estiver preso, milhões de brasileiros serão Lulas”. É o que aconteceu. Quando ele foi condenado em primeira instância, aumentou [seu apoio nas pesquisas]; na segunda instância, voltou a crescer, ao contrário do que acontece com os outros políticos. Depois que saímos do julgamento dos meios de comunicação – Lula tem 70 horas de televisão nacional contra ele –, não se moveu nem um minuto para baixo, só para cima [nas pesquisas], e isso é desesperador para a imprensa brasileira. A próxima geração de políticos já surgiu. Então, eu não acho que se consiga um retrocesso total no Brasil. Na última ditadura, resistimos durante 21 anos. É o segundo golpe que eu vivo. Fiquei três anos na prisão e um dia passei em revista às tropas.