Fonte: Olhar Juridico
O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve, nesta semana, uma liminar em face das empresas Aries Transportes Ltda. e Verde Transportes Ltda para garantir os direitos de 200 trabalhadores demitidos no final de março deste ano. O juiz do Trabalho Wanderley Piano da Silva, da 9ª Vara do Trabalho de Cuiabá, determinou que as empresas abstenham-se de suspender os contratos de trabalho de seus empregados sem amparo legal.
O grupo empresarial foi acionado pelo MPT na Justiça do Trabalho após suspender contratos de diversos empregados, sem qualquer pagamento de salário e sem assegurar o direito ao recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, descumprindo as disposições legais da MP 936/2020.
Ao não formalizarem a suspensão do contrato de trabalho na forma da MP 936, as empresas impedem que os trabalhadores recebam o auxílio emergencial, que tem valor equivalente ao que seria pago no seguro-desemprego.
“O risco à saúde e sobrevivência desses trabalhadores durante a emergência de saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19 é patente”, reforçou o MPT na ação.
O MPT também apresentou provas de que as empresas, invocando a paralisação das atividades em decorrência das medidas de isolamento social, propuseram acordo individual de rescisão, por meio do qual estipularam quitação geral do contrato de trabalho, afastaram a obrigação de pagamento de aviso prévio e da multa de 40% e estabeleceram o parcelamento dos salários de março/2020 e do saldo salário de abril/2020, bem como das férias e 13º proporcionais, em 13 vezes. Pelo acordo, a 1ª parcela só seria paga no dia 25 de dezembro de 2020, ou seja, daqui a sete meses, e, a última, em dezembro de 2021.
“(…) é cruel imaginar a possibilidade de um trabalhador não receber salário, não ter sua rescisão formalizada para poder, pelo menos, receber o seguro-desemprego nem pode, na pior das hipóteses, requerer o auxílio emergencial de R$ 600,00, porque permanece com o vínculo formalmente ativo, porque a empresa exige, para a liberação das guias, que seja assinado acordo contendo renúncia expressa de direitos indisponíveis”, relatou o MPT.
O MPT juntou os documentos que comprovam a veracidade das denúncias, como acordos individuais de suspensão e de rescisão de contrato de trabalho. Antes do ajuizamento da ação, as empresas chegaram a ser notificadas pelo órgão e foram informadas de que eventual suspensão de contratos de trabalho deveria estar “necessariamente em conformidade com a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, que assegura o recebimento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda”. Mesmo assim, não prestaram qualquer justificativa.
“Ressalta-se que o MPT-MT tem recebido diariamente diversas denúncias de descumprimento de medidas de prevenção de contágio por Covid-19 e que as empresas, após notificadas, têm respondido às requisições do MPT e, em geral, têm adotado as medidas requisitadas, porém a ré foi a única, até agora, que sequer se dignou a apresentar resposta, mesmo com reiteração de notificação e com reforço de ligações telefônicas. Por esse motivo, mostra-se imprescindível o ajuizamento da presente ação, de modo que devem ser deferidas as medidas requeridas”.
Na decisão, o juiz do Trabalho Wanderley Piano da Silva, da 9ª Vara do Trabalho de Cuiabá, determinou que as empresas abstenham-se de suspender os contratos de trabalho de seus empregados sem amparo legal, especialmente sem estar em conformidade com a MP 936/2020, e de exigir, solicitar ou efetuar, por ocasião da extinção de contratos de trabalho, a assinatura de qualquer acordo que contenha, direta ou indiretamente, a quitação de verbas não pagas, a renúncia a direitos trabalhistas, a transferência de responsabilidade a terceiros, a proibição ou limitação de acesso ao Poder Judiciário, ou outra cláusula abusiva e manifestamente ilegal.
As empresas deverão, ainda, efetuar o pagamento das verbas rescisórias dos empregados desligados, anotar o desligamento na CTPS e entregar aos trabalhadores os documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes, em prazo não superior a 10 dias após a dispensa, sob pena de multa.
Outra obrigação imposta é a de efetuar o pagamento do salário mensal aos empregados ativos após o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido. Caso seja comprovado o descumprimento, o magistrado fixou multa de R$ 10 mil por cada salário em atraso.
MP 936
A Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, permitiu ao empregador firmar acordo para suspensão de contrato de trabalho, de modo a dispensá-lo de pagar os salários nesse período de emergência de saúde pública. O trabalhador recebe, então, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, no mesmo valor que o seguro-desemprego, mas com manutenção do vínculo empregatício e garantia de emprego pelo mesmo prazo em que o contrato for suspenso.
Na ação, o MPT pede que as empresas assegurem o pagamento normal dos salários durante o período da pandemia de Covid-19 ou adotem medidas legalmente previstas para suspensão dos contratos, com o recebimento do auxílio emergencial.
O MPT esclarece que, na hipótese das empregadoras realmente não terem condições de manter o vínculo de emprego de parte ou mesmo da totalidade dos empregados – a despeito da possibilidade de suspensão legal dos contratos, na forma da MP 936, ou da negociação de redução de salários e de antecipação de férias e feriados, conforme MP 927 -, que realize a rescisão regular dos contratos de trabalho, com o consequente recebimento das verbas rescisórias, comunicação aos órgãos competentes e entrega da documentação necessária para o saque do FGTS e, se for o caso, para a liberação do seguro-desemprego.
Suspensão do contrato de trabalho
A suspensão do contrato de trabalho é hipótese excepcional e somente admitida nas situações previstas em lei, entre elas a MP 936/20, que prevê medidas para a preservação de empregos durante a situação emergencial causada pela pandemia do Covid-19.
“As suspensões praticadas pelas Rés não têm respaldo em nenhuma das hipóteses admitidas em lei e são anteriores à citada MP”, assentiu o magistrado Wanderley Piano da Silva.
No acordo de suspensão de contrato de trabalho utilizado pelas empresas, consta que a suspensão do contrato de trabalho ocorreria pelo prazo de 30 dias, prorrogável por igual período, em razão da impossibilidade de manutenção das atividades comerciais, e que o pagamento do salário do empregado ficaria integralmente suspenso durante a vigência do acordo.
Rescisão ilegal
Ao dispensarem os empregados, as empresas elaboraram um acordo individual de rescisão de contrato de trabalho, por meio do qual não só estipularam a quitação geral do contrato de trabalho, para que nada mais seja requerido judicialmente contra as empresas, mas também afastaram a obrigação de pagamento de aviso prévio e de multa de 40%, atribuindo essa responsabilidade ao Estado de Mato Grosso e ao Município de Cuiabá, alegando a ocorrência de fato do príncipe, situação prevista no artigo 486 da CLT.
“(…) ressalta-se que a doutrina e a jurisprudência somente reconhecem essa hipótese em situações muito específicas, como quando há desapropriação pelo Poder Público, e, mesmo nesses casos, somente a multa de 40% é que caberia ao ente público que desapropriou a empresa”.
O MPT reforça que é ilegal dispensar, em contrato firmado entre empregado e empregador, o pagamento de aviso prévio e multa de 40% e, sobretudo, é ilícita a cláusula de quitação de todas as verbas do contrato de trabalho e de vedação de acesso ao Poder Judiciário.
“De todo modo, não será aprofundada essa questão [fato do príncipe], porque, independentemente dessa alegação, não há dúvidas de que o empregador não pode impor ao trabalhador a concordância, por escrito, de sua tese de isenção de responsabilidade para formalizar a rescisão do contrato e ainda negar acesso ao Poder Judiciário”, salientou o MPT. “(…) os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e indisponíveis, não cabendo a transação desses direitos por mero acordo, porquanto o empregado está em uma relação de evidente desigualdade”, acrescentou.
Além disso, mesmo na hipótese de acordo extrajudicial homologado judicialmente, em que há maior margem de transação, assistência de advogado e análise do acordo por um Juiz do Trabalho, o pagamento das verbas rescisórias deve ser feito regularmente dentro do prazo legal de 10 dias, sob pena de multa. As empresas, descumprindo essa exigência legal, estipularam o pagamento de verbas já vencidas em 13 parcelas.
“Na prática, esse nefasto acordo significa que o trabalhador vai receber algo — se receber — a partir do dia 25/12/2020. Sequer o salário de março/2020 lhe será pago durante todo esse período de emergência de saúde pública”, algo que, para o MPT, representa urgência atual e que merece imediata reprimenda do Poder Judiciário.