A mudança climática é o maior e mais complexo problema ambiental da atualidade. No mundo, a população em cidades já ultrapassa os 50% e, aqui no Brasil, chegamos a cerca de 85% de brasileiros morando em centros urbanos. É nestes locais que se concentram a maioria dos ativos construídos e das atividades econômicas. São responsáveis pelo consumo de 70% da energia disponível no planeta e produzem 40% dos gases de efeito estufa, segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). É nas cidades que as consequências dos eventos climáticos extremos geram riscos iminentes à população. No caso brasileiro, a situação é especialmente agravada pelo processo histórico de urbanização que, desde meados do século passado, continua concentrando as populações mais vulneráveis em áreas espacialmente mais suscetíveis a riscos, constituindo-se desta forma em ambientes altamente vulneráveis não apenas ao aumento de temperatura – as mortes relacionadas a problemas cardiovasculares -, mas também a chuvas intensas que trazem inundações, deslizamentos e alagamentos.
Desde 2004, os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), incluindo o Brasil, vêm se reunindo para definir diretrizes e ações a favor da redução de perdas causadas pelas consequências de eventos climáticos extremos. O marco pós-2015 aponta quatro áreas prioritárias para a constituição de estratégias de gestão de risco de desastres: a compreensão do risco de desastres; o fortalecimento da governança; o investimento na redução do risco de desastres para a resiliência; e a melhoria na preparação para desastres. A partir destas diretrizes, espera-se que planos e ações de prevenção a riscos sejam realizados pelas prefeituras no país por meio de suas regulações urbanísticas e planos diretores. Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), os resultados da pesquisa População em Áreas de Risco no Brasil em documento que apresenta o número de pessoas e edificações que moram em áreas em que há riscos de movimentos de massa, inundações e enxurradas. Os resultados são alarmantes: dos 872 municípios analisados e monitorados, o Brasil alcançava a cifra de 8.270.127 habitantes em 2.471.349 domicílios particulares permanentes (dados de 2010). O caso mais grave é o de Salvador, com 45,5% da população (1.217.527 pessoas) morando em habitações precárias, ocupando áreas suscetíveis a deslizamentos de terra e planícies de inundação.
Antecipar, gerenciar e reduzir os riscos de desastres são atribuições dos gestores locais, principalmente, pois é deles a responsabilidade da criação de estratégias municipais de gestão da adaptação e da governança climática. Embora poucos anos tenham se passado desde a definição das diretrizes mundiais, algumas cidades vêm criando planos de adaptação considerando os cenários futuros frente às consequências dos eventos climáticos extremos em suas agendas ambientais, visando à construção de cidades e comunidades resilientes face aos desastres alinhando ações climáticas ao desenvolvimento de ambientes urbanos sustentáveis. Para se adaptarem, prefeituras locais devem prever a capacidade de recuperação da funcionalidade e vitalidade das infraestruturas urbanas existentes frente aos impactos decorrentes das mudanças climáticas. No caso da capital paulista, foi criada uma Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas (SECLIMA) responsável pelo Plano de Ação Climática (PlanClima SP) com 43 ações definidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até 2030 e, até 2050, zerar as emissões, alinhando suas iniciativas com os compromissos do Acordo de Paris. Dentre as várias ações encontram-se o aumento da mobilidade ativa, a substituição da frota de veículos de transporte público que utilizam combustíveis fósseis pela adoção de fontes energéticas renováveis, a melhoria da eficiência energética de edificações e equipamentos públicos – além da adequação para tratamento de resíduos – e a requalificação dos espaços públicos viários de modo a favorecer a caminhabilidade, as atividades ao ar livre e a permeabilidade do solo, dentre outros. Outras cidades têm ações semelhantes.
Enquanto escrevo a coluna, sou alertada por quatro mensagens em meu aparelho celular provenientes da Defesa Civil sobre raios, tempestades, alagamentos, solicitações para evitar andar sobre áreas alagadas e áreas abertas, buscar abrigo, me afastar de árvores, aviso sobre riscos de ventanias e para ter cuidado. Esta última me pareceu bastante providencial. Chove torrencialmente durante toda a tarde. As velhas janelas do apartamento não estão dando conta de tanta água. Coloquei panos no chão e rentes às paredes para evitar maiores estragos. Lembro das placas que há dezenas de anos encontram-se em áreas que sofrem alagamentos constantes na cidade. Nunca entendi, nem quando eu era criança e menos ainda agora, como adulta. Se os locais são perigosos e propícios a alagamentos, por qual razão até hoje, passados tantos prefeitos, nada foi feito para solucionar a questão?
Repito semanalmente nas colunas que escrevo que governos reagem às manifestações de seus cidadãos e, em épocas de eleição, aos seus eleitores: todas as mudanças necessárias para evitar riscos e danos às pessoas e às cidades demandam a participação e o envolvimento ativo dos cidadãos. Na coluna da semana passada, comentei sobre o ativismo urbano e sobre a importância da participação da população nas decisões sobre a distribuição de recursos orçamentários e cobrança firme de prefeitos e vereadores para o cumprimento dos planos propostos em suas agendas públicas. O PlanClima SP ao qual me referi nesta coluna é apenas um deles; o outro que no meu ponto de vista é importante para prevenir riscos à população vulnerável está no Plano de Habitação que prevê a construção de cerca de 370 mil moradias para atender à demanda da população que mora em habitações precárias. Vamos cobrar dos nossos vereadores e dos prefeitos de nossas cidades menos conversas e mais ações preventivas e eficazes? Espero que nas próximas chuvas – elas virão cada vez mais intensas – não tenhamos as mesmas imagens que estamos assistindo nos noticiários das TVs.
Por Helena Degreas