Ninguém sabe, e possivelmente não vai saber antes de terminar a apuração dos votos, qual será o resultado das eleições para presidente no próximo mês de outubro. Mas de uma coisa pode se ter, desde já, certeza absoluta: vão aparecer todas as razões, por mais espantosas que sejam, para os derrotados dizerem que um dos candidatos, o presidente Bolsonaro, não tem o direito de ganhar e continuar no seu cargo para um novo mandato de quatro anos. Ele não. Mesmo que Bolsonaro tenha 99% dos votos, como Fidel Castro tinha nas eleições de Cuba, as classes intelectuais, os meios de comunicação em peso e aquilo que se apresenta como o “campo progressista” vão dizer que o resultado não vale. Por que não vale? Porque decidiram que ele não pode ficar nem mais um minuto no governo, mesmo que o eleitor queira que fique; pode ser perfeitamente legal, mas, segundo dizem o tempo todo, “o país não aguenta” – e, por esta razão superior, a lei não deve ser aplicada. Eleições não se destinam a saber se o país aguenta ou não alguma coisa, nem a eleger o mais virtuoso, e sim a colocar no governo o escolhido pela maioria. Mas não é este o entendimento do que passa hoje por ser a “oposição” no Brasil. Nunca aceitaram, não de verdade, o resultado das eleições de 2018, que o atual presidente ganhou com 58 milhões de votos. Não vão aceitar de novo agora.
Vão dizer que não vale? Já estão dizendo, e não vão parar mais – a não ser que Lula, e não existe outro candidato além de Bolsonaro na vida real, ganhe as eleições. Não interessa minimamente se Bolsonaro tem sido um presidente bom, médio ou péssimo; interessa menos ainda o que poderia ser em mais um mandato. Isso é uma questão de opinião e, nesse caso, o Brasil que quer pensar por todos os brasileiros está convencido que o povo não tem direito de opinar. Mas eleição, numa democracia, não é justamente para a população escolher quem governa? É, mas só vai valer se o eleito não for Bolsonaro – ele não, de jeito nenhum. A única ideia em circulação entre os negacionistas da candidatura do presidente, à medida que outubro se aproxima, é que ele é “contra a democracia” – e, portanto, “não pode usar as eleições” para continuar com a sua ação “antidemocrática”. É uma alucinação, porque eleição não se “usa” – ou se ganha ou se perde. Mas aí é que está: também é exatamente o que estão falando.
Prepare-se, assim, para ler, ver e ouvir cada vez mais que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e “a sociedade” terão o dever cívico de impedir que “Bolsonaro destrua a democracia” e, assim sendo, não podem permitir que ele seja eleito mais uma vez para a Presidência. Ninguém diz direito como, na prática, se poderia fazer uma coisa dessas – anular uma eleição livre. Mas essa vai ser a alma da campanha do “Ele Não”; depois se vê como ficam os detalhes, não é mesmo? Não há nada que não possa ser resolvido no plenário do STF. O que interessa é impedir a vitória do candidato proibido pelos professores universitários, os jornalistas e os ricos que se consideram civilizados, incluindo aí os banqueiros de investimento de esquerda e os departamentos de marketing que descobriram a urgência de defender a “diversidade”, combater o efeito-carbono e censurar os Sete Anões da Branca de Neve. Basicamente, para encurtar a conversa, esse mundo considera que quem vota em Bolsonaro é um nazista, ou algo assim, e como não existe o direito de ser nazista no Brasil, não é possível votar pela sua reeleição. Da mesma maneira que os menores de 16 anos não podem votar, por exemplo, os eleitores de Bolsonaro também não poderiam; não seriam “aptos”, simplesmente, a exercer o seu direito de votar. É um rompimento com os circuitos normais pelos quais as ideias são processadas no aparelho cerebral – seria preciso achar uns 70 milhões de nazistas para fazer a maioria na eleição, e nem na Alemanha havia tanto nazista assim. Mas e daí? Os negacionistas da existência política do presidente (há os que pregam, também, a conveniência de sua morte física) há muito tempo se dispensaram da obrigação de pensar.
A aflição, em geral, aumenta à medida que afunda a “terceira via”. A “terceira via” sempre foi uma piada; hoje não chega a ser nem isso. O que dizer do movimento pelo “equilíbrio” se o seu grande nome, o ex-juiz Sergio Moro, tinha até cinco minutos atrás esse Arthur do Val, o lamentável deputado que foi à Ucrânia, como candidato a governador do maior Estado do Brasil? Se isso é o que Moro tem de melhor para governar São Paulo, quem seriam os seus ministros? É complicado. Tudo bem para os inimigos de Bolsonaro que querem Lula na Presidência, abertamente ou não; vão batalhar por ele e chamar o VAR se perderem, como fará todo o Brasil que vive na bolha do “Ele Não”. Problema mesmo, e mais cômico, está tendo o lado que não admite nenhum dos dois. Quem, então? Esses são os únicos candidatos que há no Brasil das realidades. Onde vão achar o nome que querem: na Nova Zelândia?
O “Ele Não”, naturalmente, não vai ser um passeio. Que argumentos reais poderiam ser apresentados para dar alguma justificativa ao que pretendem fazer? Não vai dar para dizer, já de saída, que houve fraude na apuração se Bolsonaro ganhar; o STF garante, 24 horas por dia, que é impossível haver fraude na apuração. E agora: como se poderia voltar atrás? (O ministro Edson Fachin inventou uns ataques à “Justiça Eleitoral” brasileira por parte da “Rússia” ou da “Macedônia do Norte”; mas estava apenas sendo irresponsável, e logo em seguida teve de desfazer, de forma tão incompreensível como havia feito, as suas acusações.) Se a eleição não pode ser roubada, como é questão de fé em todo o ecossistema do “Ele Não”, então quem ganhou foi quem teve realmente mais votos e, portanto, tem de levar, certo? Ainda não há, ao que sabe, uma saída razoável para esse problema.
Também não parece possível, até agora, acusar o presidente e o seu governo de corrupção – o remédio clássico para se combater candidaturas à reeleição. Em três anos e três meses, ainda não apareceu nenhuma denúncia de roubalheira que tenha ficado minimamente de pé contra Bolsonaro ou algum de seus ministros. Nem a obra mais ambiciosa de todas as tentativas da oposição para descobrir algum delito do governo – a “CPI da Covid”, que ficou aí seis meses inteiros – conseguiu achar nada de errado com Bolsonaro; até agora, dos “nove crimes” dos quais acusou o presidente, não se produziu uma única ação penal de verdade, nem na mais miserável comarca deste país. “Impeachment”, então, é melhor esquecer de vez. Desde o início do governo, foram apresentados mais de 100 pedidos de “impeachment”; nenhum chegou sequer a ser recebido para discussão na Câmara dos Deputados. Um problema-chave, nessa história, é que o grande candidato do “Ele Não”, o ex-presidente Lula, não pode nem pensar em ficar falando de ladroagem na sua campanha – não depois de ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove magistrados diferentes, na Justiça brasileira. Aí não é um caso de “Ele Não” – é “Isso Não”.
O argumento-chefe para o veto à reeleição de Bolsonaro, pelo que deu para deduzir até agora, é que a sua vitória eleitoral seria “ilegítima” – ou seja, pode estar dentro da lei, mas estaria fora do que “é bom para o país”, e não é bom para o país porque Bolsonaro é contra “a democracia”. Não parece valer grande coisa como argumento, levando-se em conta que argumento é um raciocínio que leva a justificar uma afirmação através dos instrumentos da lógica comum. Não há lógica nessa história de “contra a democracia”; não é certo nem que haja um raciocínio. Mas é o que temos no momento; é isso o que dizem. Parece bem pouco. O que seria preciso, para o presidente ser um antidemocrata verdadeiro, seria uma lista dos atos objetivos que ele cometeu contra a democracia em seu governo. Não existe essa lista. Bolsonaro não mandou prender nenhum deputado depois de entrar no Palácio do Planalto, nem antes. Na verdade, não mandou prender cidadão algum. Não deixou de cumprir nenhuma ordem judicial; ao contrário, a cada cinco minutos tem de “dar explicações” ao STF sobre as coisas mais extravagantes. A última delas: por que o seu filho foi com o senhor para a Rússia? (Já houve mais de 100 exigências dessas até agora.) Todas as medidas que tomou, incluindo as acusadas de serem “autoritárias”, foram através de recursos legais, como projetos de lei ou medidas provisórias a serem aprovadas pelo Congresso.
Nem Bolsonaro nem o seu governo cesuraram até agora um órgão de imprensa, nem impediram o trabalho de um jornalista. O presidente não pediu a expulsão de nenhum correspondente estrangeiro, nem apresentou projetos de “controle social” da mídia. Não deixou de obedecer a nenhuma decisão do Congresso. Não fez nada, até hoje, que a Justiça brasileira considerasse contra a lei. Não há registro, em nenhuma vara penal ou civil do país, de alguma queixa de cidadãos contra atos de arbitrariedade de agentes federais – muito prefeito mandou algemar mulheres com filhos pequenos durante a Covid, pelo fato de estarem tomando ar em público, mas não se sabe de nada parecido por parte da Polícia Federal ou das Forças Armadas. Não houve repressão policial do governo contra qualquer manifestação popular ou da oposição. Bolsonaro não expropriou nada, nem invadiu propriedade de ninguém. Não interferiu nos cultos religiosos. O que mais?
Também vai se falar muitíssimo, na verdade já está se falando, que Bolsonaro não pode ser eleito porque vai usar os “recursos do governo” para ganhar votos; assim não vale. De novo, é complicado. Todos os 27 governadores estaduais e todos os 6 mil prefeitos brasileiros têm o direito de inaugurar obras todos os dias – todos, menos um. Bolsonaro não pode. E qual a sugestão que fazem para as obras que estejam prontas? Não podem ser entregues à população que pagou por elas? O presidente é acusado de se beneficiar do programa de auxílio financeiro durante a Covid e do novo sistema de renda mínima; o negacionismo de sua candidatura diz que isso é demagogia eleitoral. O que ele deveria ter feito, então? Não dar nada a ninguém? Se dando ele já é genocida, seria o que se não desse? Todos os governos do mundo, pelo menos os que têm um mínimo de organização, deram dinheiro para a população na pandemia; todos podem, mas ele não. É o mesmo com a modesta redução de impostos para dar um pouco de gás à economia, ou o aumento salarial para os professores do sistema federal de educação básica – também não pode, porque caracteriza “compra de popularidade”. É impossível, na verdade, evitar esse tipo de acusação; o governo precisa continuar governando, e se tudo que fizer é demagogia para tirar proveito eleitoral, então não dá para fazer nada. Daqui a pouco vão dizer que pagar o funcionalismo em dia é beneficiar-se de dinheiro do Erário para ganhar os votos dos funcionários públicos. Qual seria a saída?
É claro que também vai se falar que a reeleição não será “legítima” porque Bolsonaro não vai conseguir a maioria dos votos da população total do Brasil; para valer, mesmo, ele teria de ter pelo menos 110.000.001 votos, se forem considerados os 220 milhões de habitantes que o país deve ter hoje. Ninguém pode ter isso tudo, é óbvio, mesmo porque nem haverá 110 milhões de votantes, já que uma parte da população não está habilitada a votar e milhões de eleitores vão se abster, ou votar em branco, ou anular o voto. Em lugar nenhum do mundo, por sinal, é possível ter a maioria absoluta de tudo – até porque em nenhuma democracia séria existe a aberração subdesenvolvida do “voto obrigatório”, ou da obrigação de se exercer um direito. É claro, mais uma vez, que essa exigência não vale para nenhum outro candidato – só para ele. Bolsonaro produziu um fenômeno esquisito neste país – o fanatismo liberal. Parece que vai ficar cada vez pior.
Por J.R. Guzzo
Fonte: Jovem Pan