A ONU e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) instituíram 2022 como o Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável. O propósito é colocar de maneira mais eficaz a biologia, química, física e matemática a serviço do cumprimento da Agenda 2030, cujos principais objetivos são a erradicação da miséria, inclusão socioeconômica, desenvolvimento sustentável, educação, trabalho digno, saúde e segurança alimentar.
As ciências básicas, que devem impulsionar cada vez mais as políticas públicas, são as que permitiram, por exemplo, progressos extraordinários na medicina, farmacologia, engenharia, infraestrutura, produção das vacinas contra a Covid-19, fornecimento de água potável encanada, reuniões online, inteligência artificial, advento do 5G, que está chegando ao Brasil, e tantos outros avanços determinantes para a qualidade da vida. Tudo isso tem em comum o algoritmo do conhecimento, crucial para viabilizar soluções inovadoras em resposta aos riscos sociais, climáticos, alimentares e energéticos.
Tão importante quanto sua aplicação pelos organismos governamentais e multilaterais e os setores produtivos é o acesso cada vez mais amplo às ciências pelas novas gerações, por meio da educação. Nesse sentido, infelizmente, o Brasil está bastante defasado, não apenas no tocante à qualidade sofrível do ensino público, quanto ao desequilíbrio de seu alcance.
O descompasso é demonstrado em estudo recém-publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de baixíssima visibilidade na mídia, mas de elevada relevância para o enfrentamento do problema. O trabalho, que aborda as “Diferenças entre a Educação Rural e a Urbana”, revela que, apesar de políticas públicas implementadas nos últimos 20 anos, a condição da escola no campo segue precária em relação à da cidade, apresentando carências básicas de bibliotecas, computadores e internet.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o Brasil tinha 200 milhões de habitantes em 2015, sendo 84,6% no meio urbano e 15,4% no rural. Em 2019, registraram-se 47,8 milhões de matrículas em todo o País, uma redução de 8,9% em relação a 2009. Na década, a diminuição foi mais acentuada no campo, com queda de 20%, conforme o Censo Escolar 2019. As cidades abrigavam 88,9% dos estudantes brasileiros naquele ano e o campo, 11,1%.
A população nacional em idade escolar (quatro a 17 anos) em 2015, segundo a PNAD, foi inferior a 44 milhões de habitantes, sendo 80% urbanos e 20% rurais. Observe-se que, no campo, o contingente em idade escolar é superior ao número de estudantes matriculados. Ou seja, há crianças e jovens fora da escola. Existem casos, também, de alunos buscando instituições com melhores condições nas cidades, apesar da distância e dificuldade de transporte.
Por fim, há diferenças regionais. Enquanto 92% das escolas rurais da Região Sul possuem microcomputadores, estes existem em apenas 27,9% das localizadas no Norte. Não há defasagem regional relevante nos estabelecimentos urbanos. Com relação ao acesso à internet, está disponível em 86,8% das escolas rurais do Sul, mas apenas em 16,9% das nortistas e 40,3% das nordestinas.
Cabe alertar que a realidade realçada pelo relatório do Ipea teve consequências graves para os alunos do meio rural durante a pandemia, aponta o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep): no total nacional, 40% das escolas do campo não conseguiram prover aulas online. O problema confirma estatísticas do IBGE, de que 49% das famílias nas áreas rurais não têm acesso à internet. Nas cidades, o índice é de 25%. Importante reconhecer o esforço de prefeitos, professores e empresários na criação, manutenção e apoio às escolas rurais. Bem como, a contribuição do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) na formação de técnicos para o trabalho no campo.
O Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável merece enfática atenção das autoridades. O acesso ao conhecimento e a inclusão digital precisam ser equitativos e democráticos. Não pode persistir a defasagem de qualidade, infraestrutura física e tecnologia para as crianças e jovens do campo. As famílias responsáveis pelo êxito da agropecuária brasileira têm o direito de — sem engrossar o êxodo rural — proporcionar ensino de qualidade aos seus filhos, dever do Estado inscrito como cláusula pétrea em nossa Constituição.
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).
Fonte: Gazeta Digital