Quando os primeiros casos de varíola do macaco começaram a ser diagnosticados na Europa e, logo em seguida, se espalharam pelo mundo, a sensação era de que o filme de uma nova pandemia como a de Covid-19 se repetiria.
Mas existe alguma chance de isso acontecer? Os vírus e as doenças têm alguma semelhança entre si? Especialistas ouvidos pelo R7 respondem.
O monkeypox, nome em inglês do patógeno causador da varíola do macaco, é um vírus de DNA, enquanto o Sars-Cov-2 é de RNA. O primeiro consiste em uma composição genética mais complexa do que o segundo.
Mas o que isso significa na prática? O virologista Rodrigo Rodrigues, professor adjunto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que a diferença está na capacidade de mutação e de resistência dos vírus.
“O vírus de DNA tem o que chamamos de uma taxa de mutação menor, eles mudam menos do que vírus de RNA. Então, comparando, a cada dia surge uma nova variante [do Sars-Cov-2], isso normalmente não acontece para vírus de DNA, que são mais resistentes ao ambiente, então isso reflete também em algumas características biológicas desse vírus: as células que ele vai infectar, o tipo de problema que ele vai causar”, explica Rodrigues.
Na contramão do esperado, no entanto, foram identificadas cerca de 47 mutações no vírus responsável pelo surto atual de varíola do macaco. Apesar disso, ainda não é possível dizer se as variações o tornaram mais potente, se ocorreram de forma rápida ou se não haviam sido observadas anteriormente.
O virologista destaca, ainda, que o vírus de DNA também consegue reparar os danos que eventualmente pode sofrer ao entrar em uma célula, ao contrário do vírus de RNA. Além disso, eles também têm tamanhos diferentes.
“A partícula e a estrutura dos vírus são muito diferentes. O [monkeypox] tem a camada externa, que chamamos de capsídeo, mais resistente, é um vírus bem maior, quase o dobro do tamanho do coronavírus. E a composição de proteínas é mais robusta, o vírus de DNA também sobrevive mais tempo no ambiente em comparação com o vírus da Covid, por exemplo”, ressalta.
As formas de transmissão dos vírus também têm diferenças: o Sars-Cov-2 é espalhado por meio de aerossóis, que podem ser partículas maiores e menores da saliva, por exemplo, e têm uma capacidade de disseminação maior por permanecer mais tempo em suspensão no ar.
Já o vírus da varíola do macaco é considerado menos transmissível e é repassado por partículas maiores (gotículas), além de o contágio também ser possível por meio do contato com a secreção proveniente das bolhas que o monkeypox causa na pele, além do contato com outros animais, como roedores – grupo no qual a doença é comum.
A virologista Clarissa Damaso, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessora do membro do Comitê Assessor da OMS (Organização Mundial da Saúde) para Pesquisa com o Vírus da Varíola, explica que, apesar de ser possível a transmissão por via respiratória em ambos os casos, com o monkeypox o contato precisa ser mais intenso.
“[Na] Covid tem uma transmissão respiratória em que você está mais distante [da outra pessoa] e pega. O respiratório [da varíola do macaco] é face a face, tem que alguém falar muito próximo para cair gotículas em cima de você e entrar pela sua mucosa da boca, tem que ter contato com saliva, com secreção de espirro, da tosse, ou o contato com a pele”, afirma.
Além disso, Clarissa destaca que é importante evitar tocar as lesões dos infectados. O recomendado, nestes casos, é evitar a proximidade com o material usado para fazer a higiene dos lugares com os quais a pessoa teve contato, como roupa de cama, por exemplo.
Sobre a letalidade dos vírus, o virologista Rodrigo Rodrigues explica que o monkeypox é mais letal que o Sars-Cov-2 em uma comparação geral.
Vale destacar que na África, onde a varíola do macaco é endêmica em alguns países, existem duas cepas principais do vírus causador da doença, sendo que a responsável pelo surto atual é a menos letal.
“É difícil comparar a letalidade, porque são vírus muito diferentes, mas se fosse olhar individualmente, o monkeypox tem uma letalidade maior, mas como ele transmite menos, conseguimos controlar isso de forma mais fácil. Agora vamos ver como isso vai ficar, porque esses dados são de lá [África]. Quando um vírus infecta alguém, tem o lado do hospedeiro também, então não sabemos muito bem como isso vai ser em outras outras localidades do mundo”, afirma o especialista.
A Covid-19 e a varíola do macaco são doenças totalmente diferentes, segundo a infectologista Raquel Stucchi, professora da Faculdade de Ciências Médicas, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
“Normalmente a Covid é um quadro de vias aéreas superiores, que começa na maioria das vezes com febre, dor no corpo, coriza, tosse, podendo levar a falta de ar. Pode ter sintomas gastrointestinais, como a diarreia. A intensidade e a gravidade desses sintomas todos podem variar muito, mas costumam ser mais graves [entre idosos] e pessoas com comorbidades”, destaca.
Já nos quadros de varíola do macaco, os sintomas iniciais normalmente são febre, mal-estar e aparecimento de gânglios, como as ínguas no pescoço, embaixo do braço ou na virilha, e só depois surgem as bolhas na pele – que cicatrizam e somem sozinhas após cerca de uma semana.
Segundo a infectologista, ter comorbidades como diabetes e hipertensão não costuma estar relacionado a uma gravidade maior da doença. No entanto, pessoas imunossuprimidas, transplantadas e em tratamento oncológico, assim como crianças e grávidas, fazem parte do grupo de risco para o monkeypox.
“O que pode ser mais grave, podendo levar à morte, primeiro é o número muito grande de lesões no corpo todo, porque isso aumenta o risco de ter uma infecção por bactéria nas feridinhas na pele. Ter muitas lesões também pode significar que a pessoa tem uma quantidade maior de vírus circulando, o que pode causar uma pneumonia, eventualmente pelo próprio vírus, ou uma encefalite, até uma infecção no sistema nervoso central”, explica Raquel.
O virologista Rodrigo Rodrigues destaca que o risco de o monkeypox representar um grande problema, como o início de uma nova pandemia, é bem menor.
“Diferentemente do Sars-Cov-2, o monkeypox é um vírus que já conhecemos, tem muito estudo sobre, existem opções de pronto tratamento até mesmo para vacina que já está bem avançada, então é diferente de quando a Covid aconteceu. E agora a vigilância está em cima, vários países mundo já estão fazendo esse trabalho de vigilância, aqui no Brasil também”, afirma.
Fonte: R7