Resiliência, a magia dos moradores da Terra

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CAMARA VG

A noite do dia 31 de dezembro parece mágica. A maioria se veste de branco, estoura um champanhe e brinda mais um ano que vai começar. Sobre a mesa um banquete onde todos se fartam, sem contar o churrasco sendo assado com fatura (ou nem tanto em tempos de crise).

Há quem recorra a pequenas magias para solucionar problemas de escassez financeira. Alguns vão comer sete bagos de uva e guardarão as sementes na carteira. Outros vão comer um punhado de lentilha em cima de uma cadeira, esperando o dinheiro e a boa-sorte vir ao longo dos 365 dias seguintes.

Não podem faltar as promessas de emagrecimento, sair do sedentarismo, se matricular em uma academia, adquirir a casa própria, trocar de veículo, viajar, estudar, entre inúmeros outros projetos.

Se a noite do dia 31 de dezembro parece mágica, os minutos que antecedem a virada do ano causam verdadeira euforia. A impressão é que caso os pedidos ou rituais não sejam feitos na hora certa, o próximo ano será perdido.

Todas essas crenças e promessas, fundamentadas ou não, deparam-se com um fator chamado realidade. E ultimamente, essa realidade não tem sido nenhum pouco amistosa.

O que se constata é que estamos viciados na fantasia. Nos apegamos ao imaginário para tentar driblar a dureza da vida. Nisso não há mal, o problema é quando fazemos da ilusão nosso estilo de vida.

Temos mecanismos eficientes para isso, e quase sempre buscamos alívio na comida, nos vícios, na religião, nos amigos e em tantas outras coisas para as quais transferimos nossa responsabilidade sem se dar conta do quão omissos somos.

Tenho consciência que este artigo de pouco valerá para mudar sua opinião sobre suas crenças. E longe de mim, querer converter alguém à racionalidade ou ao bom senso.

Contudo, a impressão que tenho é que nos deslocamos do verdadeiro sentido da vida e, por isso, caminhamos em vales cada vez mais estonteantes.

Está na hora de transformarmos nossa fé em realidade. Nos preocuparmos seriamente com questões que nos afetam. Dois mil e vinte e dois será um ano dificílimo quanto à vida real. Teremos eleições baseadas em guerras ideológicas nunca antes vividas. A Ômicron está aí demonstrando que nossa resistência à ciência só nos levará cada vez mais rápido ao colapso enquanto espécie.

Seu poder de consumo, caro leitor, continuará corroído por uma inflação tecnicamente produzida pela ineficiência de um governo. Enquanto isso, seus ouvidos escutarão promessas e mais promessas, sejam as que você vai fazer para o ponteiro de um relógio que não para, seja as que virão das malditas bocas de inescrupulosos.

Encare a vida de frente e faça você mesmo os esforços necessários para mudar a sua realidade. O mundo espiritual é maravilhoso e bondoso, mas nenhum ser de luz vai vir à terra para fazer você emagrecer, ou dar um desconto generoso quando passar as compras no supermercado, e menos ainda escolherá por você alguém decente para governar o país ou o Estado onde você vive, e nem quem irá definir as leis que vão impor limites à sua utópica e fantasiosa liberdade.

Poder de escolha, vontade e atitude para o progresso são faculdades próprias dos seres humanos. Então celebre seu réveillon consciente que a caixa de fogos que você estourou custou o mesmo que um quilo de carne de segunda, e que talvez na segunda, lhe falte carne para comer.

Apesar de tudo isso, não perca a esperança e nem a fé. Crer em algo ou em alguém ainda é um combustível eficaz para mover a vida, desde que usado na medida certa e com o equilíbrio necessário para não fazer da existência algo insuportável. Cuidar da saúde física e mental compõem o tripé ontológico. Então, camarada, nem tanto ao céu ou ao inferno, você ainda mora na Terra, e por aqui, sobrevivem os resilientes.

Vinícius Bruno é jornalista.

 

Fonte: Gazeta Digital

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