Conheça detalhes da reforma administrativa, parada até hoje no Congresso

0
241
Reprodução
CAMARA VG

A reforma administrativa, defendida pelo Ministério da Economia como um instrumento de enxugamento e modernização da máquina pública, já completou um ano tramitando no Congresso Nacional e, desde setembro, quando foi aprovada na comissão especial, está parada.

O deputado federal Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, disse em entrevista à CNN em dezembro que o projeto só vai avançar se o governo colocar mais esforço político. “Só prospera no Legislativo se houver o envolvimento do Executivo no Legislativo”, disse. Um dos principais empecilhos é que 2022 é um ano eleitoral, em que medidas impopulares que atinjam o funcionalismo público costumam ser evitadas.

Desde que foi apresentado, o texto já passou por várias mudanças e a maior parte das medidas propostas só valerá, se aprovada, para os futuros servidores.

Em um evento que participou em novembro, o ministro da Economia Paulo Guedes declarou que a reforma “não iria atingir nenhum direito do funcionalismo público atual. Apenas íamos criar um filtro para valorizar o funcionalismo”.

Em vários momentos, o ministro tem pedido mais compreensão por parte dos servidores, como o reconhecimento de que fazem parte de uma classe “privilegiada”.

Em mensagem recente enviada ao presidente Jair Bolsonaro, Guedes comparou a possibilidade de reajustes salariais aos quadros públicos, neste momento, ao rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019, dizendo que “pequenos vazamentos na economia brasileira” poderiam levá-la “à explosão” e causar a morte de “todos na lama”, reforçando a necessidade de contenção de gastos com funcionalismo.

Veja abaixo alguns dos principais pontos da PEC e entenda o andamento no Congresso:

Estabilidade da carreira

Um dos pontos mais debatidos da PEC da reforma administrativa é a estabilidade para os servidores públicos – e o tabu sobre a possibilidade de demissão. Arthur Maia, relator da PEC, disse que a estabilidade funcional no serviço público é justa, mas deve ser relativizada.

O texto atual propõe que a garantia de estabilidade seja apenas para as carreiras de Estado, ou seja, aquelas que não possuem correspondente na iniciativa privada.

Professora de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alketa Peci conta que também em outros países é pouco comum a demissão de servidores públicos, uma vez que a estabilidade, se bem desenhada, tem algumas vantagens. “Vimos isso em vários episódios envolvendo a vacina, em que servidores da Anvisa decidiram com base em critérios técnicos, estando relativamente protegidos das pressões políticas e empresariais”, exemplifica.

Remanejamento de carreiras e funções

Outro ponto debatido é a possibilidade de trocar de função dentro da estrutura governamental em função da necessidade de alocar mão de obra. Arthur Maia cita que a vedação atual representa gastos com salários referentes a profissões que ficaram no passado, como datilógrafo e técnico de videotape, e ainda justifica as contratações temporárias e a legalidade de remanejamentos, hoje tidos como desvio de função.

A professora de Administração concorda que o sistema brasileiro é demasiadamente rígido, “com quase 300 carreiras no governo federal”, e avalia que não é sensata a impossibilidade de passar de carreira para outra caso alguma área se torne obsoleta ou com pouco demanda.

Sobre a possibilidade de ter métricas de avaliação, Alketa Peci considera que o desempenho funcional deverá ser objeto de uma regulamentação posterior, mas lembra que já há exemplos de organizações públicas que trabalham com contrato de gestão, como o Inmetro.

Direitos de servidores

A discussão sobre supostos privilégios de servidores esbarra nos chamados direitos adquiridos – entendimento jurídico de que as regras que valiam no momento do concurso público se aplicam durante todo o tempo de trabalho e de que outros benefícios que foram sendo incorporados durante a carreira não podem ser retirados.

A pressão para que esse aspecto não fosse alterado fez a proposta de reforma administrativa ficar voltada apenas para futuros servidores.

Na opinião do assessor técnico no Centro de Liderança Pública (CLP), Pedro Trippi, ao se destinar apenas para os novos integrantes do funcionalismo, a PEC perdeu uma de suas principais possibilidades de economia. Ele argumenta que vários dos benefícios e penduricalhos – como licença remunerada de três meses a cada cinco anos de trabalho e adicionais por tempo de serviço, que encarecem a folha de pagamento –, foram mantidos para os atuais servidores.

Avaliação por desempenho

A PEC da reforma administrativa também abre a possibilidade de uma real avaliação de desempenho. “Hoje menos de 0,1% dos servidores no estágio probatório acabam sendo desligados”, afirma Trippi.

Haveria ganhos públicos, na opinião do técnico, com a proposta de seis etapas de aferição durante o período de três anos em que a capacidade do aprovado em concurso está sendo avaliada – em contraponto ao modelo atual, que prevê a avaliação somente ao fim do prazo. O formato e o detalhamento dessas fases intermediárias ainda não foram definidos.

O governo federal ainda propôs que o funcionalismo deve ser avaliado periodicamente. O relator na comissão especial estabeleceu que esse controle deveria ser feito por meio da plataforma digital .gov. Maia argumentou que os usuários deveriam ter direito a serem ouvidos sobre o serviço prestado. Mas não fica claro como funcionários que não têm relação direta com o público seriam avaliados.

Para Trippi, o tamanho da despesa com o funcionalismo, considerada desproporcional à qualidade do serviço prestado, também está relacionado com incentivos mal desenhados, como progressão automática por tempo de carreira, e não por desempenho.

Ele ainda menciona cargos, principalmente na área jurídica, em que o salário de entrada é muito alto – e que, em pouco tempo, o servidor chega ao teto. “Esses sistemas acabam sendo em formato de bloco e não de pirâmide, com cerca de 80% dos servidores no topo e com remunerações muito dissonantes dos valores pagos no setor privado”, pondera.

Alketa Peci comenta que, em alguns países, como Chile e Portugal, mudanças estruturais no funcionalismo foram possíveis a partir de compromissos políticos, com sistemas de contrapesos, inclusive com a participação de opositores, para deixar claro que não eram interesses pessoais que estavam norteando as decisões.

Um exemplo foi a adoção de critérios técnicos para seleção de altos cargos de confiança. A administradora enfatiza que o Brasil tem muito mais cargos comissionados que os Estados Unidos e que por aqui não se cogita criar mecanismos mais rigorosos de escolha.

Contratação de temporários

Segundo especialistas, outra vantagem da PEC clara seria a contratação de funcionários temporários. “Essa é uma flexibilidade importante, que hoje não é regulamentada, criando insegurança jurídica”, afirma Pedro Tippi.

O assessor ainda considera salutar a possibilidade de reduzir a jornada e salários em situação de adversidades, como aconteceu com a iniciativa privada durante a pandemia, mas lamenta que outros pontos relevantes, como a questão do controle de gastos e do processo seletivo para cargos em comissão, não tenham sido abordados na PEC.

O relator do texto afirma que construiu uma proposta mais abrangente, que impactaria os quadros também do Legislativo e do Judiciário, e questionamentos sobre a legalidade da medida acabaram deixando a proposta final mais restrita.

PEC ainda depende de regulamentações

Sobre a proposta que está em discussão no Congresso, a professora Alketa explica que o texto virou uma colcha de retalhos, como costuma acontecer com temas abrangentes, tratando de vários assuntos que deveriam ser olhados de forma separada, e que é comum que aspectos específicos da aplicação demandem detalhamento em regulamentação posterior. Ou seja, mesmo que a atual PEC seja aprovada, ainda seriam necessárias normas complementares para regular certos pontos.

“A PEC não é uma bala de prata. Abre caminho para um conjunto de legislações complementares promover a modernização da máquina pública”, avalia Trippi. Do jeito que está, o sistema custa caro ao Brasil.

O gasto com o funcionalismo por aqui representa cerca de 13% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto outros países da América Latina, como Chile, Peru, Colômbia e México consomem na faixa de 5% a 7%. Há dúvidas sobre qual seria a economia aos cofres públicos caso a reforma administrativa seja aprovada, com estimativas variando de R$ 350 bilhões a R$ 800 bilhões em dez anos.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia não falou sobre estimativas de prazos da votação da PEC no Congresso, destacando que não cabe à área técnica comentar, e destacou que a impossibilidade de apresentação, neste momento, de informações definitivas sobre os impactos orçamentários e financeiros da reforma, sugerindo a consulta aos diversos cenários – uns mais agressivos e outros mais brandos – traçados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A resposta oficial também confirma que pontos específicos da reforma, como critérios de avaliação de desempenho, devem ser objeto de resoluções e outras regulamentações.

Fonte: CNN Brasil

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here