“O Brasil quer te obrigar a ser mãe”, diz jovem que tenta laqueadura pelo SUS

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CAMARA VG

Antes mesmo de completar 25 anos – a idade mínima exigida pela lei vigente para a realização de laqueadura – Gabriela*, já estava decidida sobre não ter filhos. No dia seguinte ao seu aniversário, procurou uma das três unidades básicas de saúde que fica perto de onde mora, na capital paulista, para requerer o procedimento pelo SUS. Depois de pesquisar muito sobre como recorrer a negativas de atendimento e dois postos de saúde depois, ela conseguiu dar início aos trâmites para a realização da cirurgia na UBS do Jardim Miriam. Em 2020, o número de autorizações para a realização do procedimento no País caiu pela metade em relação ao ano anterior, como mostram os dados do SUS.

O processo envolveu muita pesquisa, troca com outras mulheres sobre o procedimento em grupos do Facebook, conversa com a equipe do posto, pedido por escrito sobre negativa de acesso ao atendimento, mais de 60 dias de espera para conseguir um retorno, dezenas de ligações e visitas ao posto para conseguir vaga no grupo de planejamento familiar. “No posto, me disseram que um rapaz solteiro e da minha idade havia conseguido fazer vasectomia, mesmo sem ter filhos. Eu sabia que seria um processo bem mais burocrático pra mim, mas possível”, avaliou.

Além de todo processo burocrático para tentar impedir o acesso ao atendimento (ela precisou passar em consulta com a equipe de enfermagem e assistência social mais de uma vez antes de ser encaminhada para as reuniões sobre planejamento familiar, fluxo incomum), a jovem relata os abusos da equipe médica para tentar convencer as mulheres – principalmente as solteiras e sem filhos – a não realizarem o procedimento. “Meu ginecologista falou: ‘e se você conhecer o Don Juan e ele quiser ter filhos?’, como se eu tivesse que parir de presente pra homem. Depois disso tudo, tive que voltar ao posto junto com a minha mãe. Ela assinou os documentos como testemunha e consegui ter acesso a lista de exames preparatórios para o procedimento”, contou.  Para a jovem, a lei vigente e a forma como as mulheres são orientadas é extremamente machista. “Desde os 18 eu já sabia que não queria ser mãe, mas tenho a impressão de que somos incentivadas a viver uma maternidade compulsória. Muitas mães relatam no planejamento familiar gestações e partos bem traumáticos e com risco para elas e para os bebês. São mulheres que não tiveram escolha mais cedo”, destaca.

Pós-parto

A dona de casa Aline Lima da Silva, de 33 anos, sabia que queria ter apenas dois filhos, mas acabou sendo mãe de três. Só depois do nascimento do último filho, em 2021, é que ela conseguiu fazer a laqueadura pelo SUS. “Tive três partos normais, então não consegui fazer a cirurgia logo que ganhei meu último filho. Tive que esperar uns meses e solicitar o processo no posto de saúde. Como eu já tinha três filhos e mais de 25 anos, não foi difícil. A única coisa é que precisei a autorização do meu marido. Na hora não pensei no quanto isso é opressor, porque ele também fez vasectomia e assinei autorização pra ele. Mas depois parei pra pensar e a mulher não tem livre escolha. É obrigada a ter filho para não ter mais filhos. O Brasil te obriga a ser mãe e isso é absurdo”, defendeu.

Legislação

A Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata sobre planejamento familiar, só permite atualmente a cirurgia logo após o parto em caso de cesarianas. Além disso, a paciente deve ter no mínimo 25 anos, pelo menos dois filhos e autorização do companheiro. A lei não descreve claramente, mas mulheres solteiras devem apresentar uma carta assinada por uma testemunha e reconhecida em cartório. Neste mês, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 7364/2014 que revoga a necessidade de autorização para a esterilização voluntária da mulher, além de baixar para 21 anos a idade mínima para a realização do procedimento e possibilidade de realizar a esterilização durante o parto. O texto foi encaminhado para o Senado e, se aprovado, valerá para a rede SUS e particular.

*A pedido da entrevistada, só publicamos o primeiro nome.

Fonte: Terra

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